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Crónicas

Pela primeira vez

Eu nunca fui muito preso ao passado, ao que podia ter sido, ao que já lá vai

Há quem diga que a primeira vez é sempre especial, outros juram que não. O que ninguém pode negar é que tem sempre o seu significado. A verdade é que nos deparamos toda a vida com “primeiras vezes” de alguma coisa em que as sensações são sempre diferentes. Seja do que for. Eu por exemplo, que não sou grande adepto de caracóis nem de sardinhas tenho uma certa inveja dos apreciadores. Para eles “a primeira vez” acontece todos os anos. E é vê-los a falar de forma emotiva e quase sacramental das primeiras sardinhas que se comem no ano ou dos caracóis. Falam daquele momento de uma forma séria e colocam importância no ato. A descrição é de um especialista em qualquer matéria quase como se tivessem a falar de um vinho e das suas características ou de um material valioso. E para eles de facto é. “Este ano não estão tão boas”, “já as apanhei grandes e gordas” ou “pequenas e com pouco sabor”. Admiro a forma cerimoniosa com que todos os anos se entregam à estreia e a paixão por tais iguarias e que encontro em poucas outras.

A nossa vida está cheia desses pequenos momentos, uns mais marcantes que outros é certo, mas que nos tocam num formato diferente. Para isso há as primeiras vezes de sempre, em que nos entregamos a uma descoberta, quase única, que nos carrega de insegurança e uma certa dose de aventura e as anuais, em que cada nova época representa uma nova etapa, numa procura por um sabor ou por uma sensação que nos traga uma certa magia ao corpo ou à mente. Também há as primeiras com aquela pessoa, alguém especial que nos faça reviver tudo como se da primeira vez se tratasse, em que tudo parece regressar ao inicio como se uma esponja nos apagasse a memória e o nervoso miudinho irrompesse por todos os poros do nosso corpo. Todas elas acabam por ter um significado especial e em todas empenhamos alguma motivação que nos cresce vá-se lá saber de onde mas que se demonstra nas nossas atitudes. É esse impacto que damos ao que nos toca que acaba por nos devolver magia à nossa vida ou tão só represente momentos únicos que tentamos não desperdiçar.

Eu nunca fui muito preso ao passado, ao que podia ter sido, ao que já lá vai. São memórias que ficam é certo, recordações boas ou más, mas que devem representar sempre uma nova oportunidade para evoluirmos e crescermos através da experiência. Não mais do que isso. Acredito que o que está para vir pode sempre vir a ser melhor. Mais especial. E a vida por vezes prega-nos partidas, cria-nos expectativas e dá-nos novas chances de sermos felizes, mesmo quando tudo parece remar ao contrário. Essas são as idiossincrasias que a tornam tão fascinante, a capacidade de tudo mudar num instante, de não sabermos quando tudo termina ou quando as coisas mudam. Por isso não devemos baixar os braços nem entregar os nossos sonhos, por muito que eles possam parecer distantes ou inatingíveis. Nem que para isso tenhamos que falhar várias vezes desde que em cada uma delas empenhemos as nossas forças achando que “agora é que é”.

Talvez por isso encare essas primeiras vezes com a mesma alegria e satisfação que um apreciador de sardinhas ou que um amante de caracóis. Dando valor a cada momento e entusiasmando-me com a ingenuidade de quem nunca passou por ali, daquela forma, com aquela pessoa ou aquele sabor. Se virmos bem, a primeira vez pode ser quase sempre quando nós quisermos, dependendo do ponto de vista ou do que procuramos em determinado momento. Essa é uma forma de estar que também podemos escolher, a de nos mostrarmos disponíveis para acrescentar, para nos entregarmos ou para colecionar esses pedaços de tempo com uma razão e uma crença verdadeiramente genuínas. Se assim for tudo será, de facto, pela primeira vez…