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Crónicas

O bom, o mau e os pastorinhos

Não eram três, mas apenas dois os pastorinhos que, em torno de um púlpito improvisado, anunciaram a boa nova aos madeirenses. Havia uma solução de governo estável, sólida e sem egoísmos. O que não havia era maioria que a suportasse

O bom: Rubina Leal

Talvez seja exagero atribuir a expressiva vitória eleitoral da AD na Madeira, única e exclusivamente, a Rubina Leal. Para essa goleada eleitoral terão contribuído, entre outros factores, a fraca mobilização socialista em torno da campanha, não por demérito do seu candidato mas pelo foco estar nos arranjos parlamentares após as regionais, a falta de comparência europeia do terceiro partido mais votado nas últimas eleições e a elevada taxa de abstenção que, normalmente, beneficia os maiores partidos.

Apesar de tudo isso, é impossível menosprezar o contributo de Rubina Leal para o melhor resultado percentual que a AD teve em território nacional e, talvez ainda mais relevante, as condições políticas em que o conseguiu. Rubina Leal partiu para as eleições integrada numa lista de candidatos reprovada (com razão, diga-se) por Miguel Albuquerque, sabendo que – muito provavelmente – não seria eleita eurodeputada e, se isso não bastasse, lançou-se a essa impossibilidade eleitoral desacompanhada de grandes meios ou figuras partidárias. Ainda assim, arrecadou mais de 45 mil votos e melhorou o resultado conjunto de PSD e CDS nas eleições europeias de 2019. Parece que, para Rubina Leal, estão reservadas as eleições difíceis. Basta lembrar a eleição autárquica contra Paulo Cafôfo, no auge da popularidade, da qual Leal saiu derrotada, é certo, mas que permitiu lançar a base do que viria a ser a vitória do PSD, em 2021, no Funchal. Mas, porque a política faz-se para além da aritmética, na noite em que a AD, na Madeira, contou mais 17 mil votos que o PS, quem festejou foram os socialistas que, à boleia de Marta Temido, elegeram Sérgio Gonçalves.

O mau: Instabilidade política

À entrada da semana em que se discutirá o programa de governo, paira no ar a incerteza sobre o sentido de voto dos partidos. Numa assembleia órfã de maiorias absolutas, o que antes não passava de mera formalidade, prévia à entrada em funções do governo, assume-se agora como prefácio de uma crise política anunciada que promete deixar a Madeira sem governo, e sem orçamento, até 2025. Embora os partidos sejam livres de votar como entendem, até de anunciarem o seu sentido de voto ainda antes de conhecerem o documento a votar, não creio que exista uma obrigação, ao contrário do que se tem dito, de votar contra um programa apenas porque se concorreu contra o partido que o apresenta. Primeiro, porque um programa de governo é, em termos práticos, uma carta de intenções, cuja reprovação tem como único efeito o impedimento do governo entrar em funções. Segundo, porque ao inviabilizar o programa de governo os partidos impedem, por maioria de razão, a apresentação de um orçamento. Ao contrário do programa, que não admite propostas de alteração, o orçamento é terreno livre para que os partidos proponham e aprovem as medidas que anunciaram em campanha eleitoral. Não será por acaso que, na República, os programas de governo são apresentados e cabe ao governo (e à oposição) escolher se são votados ou não. Votar contra um programa de governo e, com esse voto, demitir-se da participação no processo orçamental é uma incoerência bem maior do que viabilizar o governo de um partido adversário. Até porque essa opção tem subjacente a recusa de pôr em prática, através do orçamento, medidas próprias. Mas claro, para quê ser coerente quando se pode ser simplesmente teimoso?

Os pastorinhos: Paulo Cafôfo e Élvio Sousa

Não eram três, mas apenas dois os pastorinhos que, em torno de um púlpito improvisado, anunciaram a boa nova aos madeirenses. Havia uma solução de governo estável, sólida e sem egoísmos. O que não havia era maioria que a suportasse. A aparição, como a batizou Élvio Sousa, serviu para explicar a aritmética política do anunciado milagre governativo. Os 20 deputados do PS e do JPP eram mais do que os 19 eleitos pelo PSD, ou seja, “a nossa minoria é melhor do que a tua”. Os deputados em falta para a maioria apareceriam através do lançamento de um apelo democrático à participação dos restantes partidos, que é como quem diz “não tivemos tempo de falar com ninguém” ou pior “falámos e ninguém nos quis ouvir”. A avidez dos pastorinhos começava a trair-lhes o plano. Afinal, o governo estável era um namoro de ocasião que se não desse em casamento, devolveria cada um à sua casa. Mais tarde, viríamos a saber que o novo ciclo de desenvolvimento anunciado, com pompa e circunstância, por Paulo Cafôfo, duraria 4 tristes horas e acabaria por nem chegar ao Palácio de São Lourenço. O erro dos dois partidos não foi assumirem-se como alternativa de governo, mas terem-no feito sem o apoio parlamentar necessário e assentes numa estratégia política que os próprios não souberam explicar. Resta saber quem terá sido a maior vítima da coligação que não chegou a ser. Paulo Cafôfo, que em manifesto desespero, terá aceitado ser o JPP a liderar o putativo governo? Élvio Sousa que hipotecou um resultado eleitoral histórico, num acordo político destinado a falhar? Entre um e outro, que venha o diabo e escolha.