Será que o Tribunal de Contas pode fazer uma auditoria por ‘encomenda’ do parlamento madeirense?
Uma semana depois de tomar posse, o novo grupo parlamentar do PS anunciou um projecto de resolução para que a Assembleia Legislativa da Madeira solicite ao Tribunal de Contas a realização de uma auditoria financeira a diversos actos, procedimentos e aspectos da gestão dos três governos de Miguel Albuquerque (2015-2024). Também o Chega anunciou uma proposta de auditoria às contas da Região, mas a ser feita por “uma entidade externa credenciada e independente”, não precisando a quem se referia. Por ser algo inédito na Madeira, surgiram dúvidas sobre o poder do parlamento regional ‘encomendar’ uma auditoria ao Tribunal de Contas. Será que isso é possível e legal?
A missão do Tribunal de Contas é fiscalizar a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, julgar as Contas, dar parecer sobre a Conta Geral do Estado e sobre as Contas das Regiões Autónomas, apreciar a gestão financeira pública, efectivar as responsabilidades financeiras e exercer as demais competências previstas na lei. Nesse sentido, realiza auditorias às entidades públicas, sendo que as instituições a serem auditadas são definidas pelo próprio Tribunal de Contas, no âmbito da definição de um programa anual de fiscalização ou por dúvidas e questões surgidas nos procedimentos de fiscalização de contas, entrando na ponderação os objectivos e eixos prioritários fixados num plano estratégico trienal. Ou seja, geralmente as auditorias não surgem a partir de ordens externas e os respectivos alvos não são escolhidos de uma forma aleatória ou ao sabor de circunstâncias momentâneas ou de conveniências políticas.
Existe, no entanto, uma excepção prevista na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC). “A solicitação da Assembleia da República ou do Governo”, o Tribunal de Contas pode realizar auditorias de qualquer tipo ou natureza a determinados actos, procedimentos ou aspetos da gestão financeira de uma ou mais entidades sujeitas aos seus poderes de controlo financeiro”. Este mecanismo já foi utilizado, mas os seus resultados podem ser demorados. Por exemplo, em Outubro de 2018, a Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República aprovou, por unanimidade, um pedido de auditoria pelo Tribunal de Contas ao processo de privatização da ANA Aeroportos, realizado em 2012/2013 pelo Governo PSD/CDS. Só em Janeiro de 2024 foram conhecidos os resultados dessa auditoria, que concluiu que “a privatização da ANA não cumpriu os seus objectivos” e que a operação “não salvaguardou o interesse público”, tendo o Estado perdido 71 milhões de euros no negócio.
No caso das assembleias legislativas da Madeira e dos Açores, a LOPTC não é tão clara a atribuir-lhe a faculdade de solicitarem uma auditoria ao Tribunal de Contas. Só indirectamente, no capítulo referente às competências das secções regionais do TdC, é que se admite a possibilidade de haver “relatórios de auditorias realizados a solicitação da Assembleia Legislativa da região autónoma, ou do Governo Regional”. No entanto, recorrendo à “aplicação analógica” da lei, a Assembleia Legislativa dos Açores também já testou este mecanismo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com um pedido de auditoria ao desequilíbrio financeiro do Grupo SATA no período 2013-2019. As conclusões foram divulgadas em Abril de 2023 e comprovaram o agravamento do passivo da empresa, que resultou sobretudo do desempenho negativo da Sata Internacional.
Em resumo, a Assembleia Legislativa da Madeira pode efectivamente solicitar uma auditoria ao Tribunal de Contas, apesar disso nunca ter acontecido até hoje.