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Cérebro dos bombeiros reage de forma distinta em situações de resgates arriscados em incêndios

Investigação, liderada pela Universidade de Coimbra, revela dados que podem ajudar a 'treinar' decisões de salvamento em situações críticas

Fotos DR/Universidade de Coimbra
Fotos DR/Universidade de Coimbra

"Um estudo, liderado pela Universidade de Coimbra (UC), revela novas informações sobre a forma como o cérebro de bombeiros reage a situações de resgates arriscados em incêndios em condições críticas. Mais concretamente, os cientistas procuraram identificar processos cerebrais envolvidos na tomada de decisão em condições extremas de combate a incêndios", lê-se num comunicado divulgado hoje pela instituição de ensino superior.

De acordo com o mesmo, "perante a monitorização da resposta cerebral durante a realização de jogos virtuais de salvamento, num estudo que teve a participação de 47 indivíduos, a equipa de investigação acredita que o uso deste tipo de tarefa – como a visualização de imagens em situações de alto risco, implicando decisões de resgate de pessoas em incêndios – podem ter grande importância para melhorar e treinar a tomada de decisão em situações de risco".

O docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e coordenador científico do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) da UC, Miguel Castelo-Branco, contextualiza as conclusões: "Ao analisar de que forma o cérebro resolve dilemas que envolvem decisões que podem salvar vidas, foi possível estudar o papel da experiência e o uso de estratégias de coping [conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais usadas pelas pessoas para enfrentar situações de stress, perante condições de elevada sobrecarga emocional para o indivíduo], por parte de bombeiros."

O líder do estudo - a primeira autora é Isabel Catarina Duarte, do CIBIT/ICNAS - acrescenta que "foi possível perceber que os dilemas de decisão levaram à ativação de redes neuronais envolvidas na gestão da recompensa emocional e outras redes relacionadas com dilemas éticos e deontológicos".

A equipa de investigação, da qual fez parte o Centro de Prevenção e Tratamento do Trauma Psicológico do Centro de Responsabilidade Integrada de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde de Coimbra, coordenado por João Redondo, verificou, em concreto, que "a atividade neural relacionada com a decisão de resgatar pessoas diminuía em certas regiões cerebrais quanto maior a capacidade de usar estratégias de coping, o que sugere uma aprendizagem compensatória adquirida com a prática", diz o neurocientista. "São exemplos de estratégias de coping utilizadas por bombeiros a procura explícita de conselho externo ou de suporte emocional", acrescenta a nota.

Assim, explica Miguel Castelo-Branco, a investigação conseguiu mostrar que "a experiência potencia a ativação de redes neuronais em função destas estratégias de superação emocional, e que o uso destes ‘jogos de escolha crítica’ que desenvolvemos para este estudo podem servir de treino para a tomada de decisão por parte de técnicos de combate a incêndios".

Refira-se que dos bombeiros que participaram no estudo, muitos foram de corporações que estiveram envolvidas no combate aos incêndios de Pedrógão Grande em 2017, tendo estes visualizado "cenários realísticos envolvendo vidas em risco para eles próprios e potenciais vítimas, tendo que tomar uma decisão de resgate", contextualiza o cientista. "Para tal, foi escolhida uma situação em que a formação prévia e a especialização desempenham um papel importante: combate a incêndios com situações de risco de vida, como casas a arder com pessoas em risco no interior. O cérebro dos bombeiros participantes foi estudado através de imagem por ressonância magnética funcional".

E explica: "Descobrimos ainda que a atividade cerebral em regiões relacionadas com a memória e a decisão – como o hipocampo e a ínsula – aumentava proporcionalmente à medida que o risco aumentava. Foi possível identificar áreas cerebrais cuja atividade se relacionava diretamente com o cálculo da probabilidade de eventos adversos, como a queda de uma casa em chamas ou a perda de vidas."

Ao mesmo tempo, "foi possível verificar que pessoas que não desempenham funções de bombeiro, e que foram submetidas à mesma tarefa da decisão, 'mostraram uma maior influência da ínsula nos circuitos relacionados com a seleção de ações apropriadas', ou seja, 'a forma como o cérebro controla a decisão depende da experiência e do treino'", elucida Miguel Castelo-Branco, citado na nota.

Intitulado "Neural underpinnings of ethical decisions in life and death dilemmas in naïve and expert firefighterse", o estudo foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, tendo sido desenvolvido no âmbito do projeto "DECFIRE – Treino da tomada de decisão crítica e gestão do stress pós-traumático nos técnicos de combate a incêndios", liderado pela Universidade de Coimbra, que teve como parceiros o Centro de Prevenção e Tratamento do Trauma Psicogénico, a Administração Regional de Saúde do Centro e a Federação de Bombeiros do Distrito de Coimbra.

O artigo científico contou também com o contributo de outros investigadores do CIBIT/ICNAS – Ana Dionísio, Joana Oliveira, Joana A. Dias, Marco Simões e Rita Correia (os dois últimos também investigadores do Centro de Informática e Sistemas da UC). Do Centro de Prevenção e Tratamento do Trauma Psicológico participaram Salomé Caldeira e João Redondo.

Descarregue aqui o estudo.