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Centenas de crianças saem todos os dias da escola para trabalhar nas ruas de Maputo

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Foto Shutterstock

Amida, Carlos e Laurentino são três irmãos, menores, que passam os dias entre a escola e a venda de amendoim pelas ruas de Maputo, como centenas de outros, para ajudar em casa, enquanto sonham com um futuro melhor.

"Comecei a vender amendoim nas ruas em outubro de 2023", conta à Lusa Amida Flores, de 15 anos, numa pausa do negócio, que faz todos os dias nas ruas, junto aos semáforos, do centro da capital moçambicana.

Frequenta a 6.ª classe e quando sai da escola vai para o que diz ser o seu trabalho, levando rua fora alguns quilos do amendoim torrado pela mãe durante a manhã.

"Comecei a vender porque minha mãe deixou de trabalhar. Como já não tínhamos como suprir as necessidades em casa, logo ela fez esse negócio de vender amendoim. Então começamos a vender amendoim", conta, em conversa com a Lusa, a propósito do dia mundial contra o trabalho infantil, que se assinala a 12 de junho.

Uma data que pouco lhe diz, já que todos os dias, das 12:00 às 19:00, percorre a cidade na sua venda, restando pouco tempo para preparar os trabalhos da escola.

"Como entro de manhã, a minha mãe fica a torrar amendoim enquanto estou na escola. Volto e encontro ela já com tudo pronto", relata, enquanto conta alimentar o sonho de ser professora.

"Não acho que seja uma coisa boa, estar na rua a vender, mas vendemos para podermos ajudar em casa. Se não vendermos não temos como comer", diz Amida, confessando que também gostava de ter algum tempo para simplesmente brincar.

"Não é só criança que deve ter respeito com pessoa grande, mas a pessoa grande deve também ter respeito com criança. Assim nós também vamos ter respeito com pessoa grande", desabafa.

Carlos, 12 anos, e Laurentino, 14 anos, são irmãos da Amida e também vendem amendoim torrado nas ruas da capital moçambicana.

Conseguem levar para casa todos os dias à volta de 200 meticais (cerca de três euros) da venda do amendoim torrado, uma ajuda para as contas da mãe.

"Nós todos vendemos aqui, temos nossos clientes (...). Vendo para ajudar em casa, mamã está a cuidar do bebé, quem trabalha é o papá como guarda", relata Laurentino, que frequenta a 6.ª classe numa escola da cidade de Maputo e que se imagina a ser engenheiro.

Para além de amendoim, as crianças são vistas na capital moçambicana vendendo produtos como frutas, cigarros, chocolates, batatas fritas, ou garantindo serviços de limpeza de vidros de viaturas por entre o trânsito da cidade.

"Aqui no mercado é fácil vir vender. Podemos entrar às 12:00 e sair às 18:00, com nossas mães", conta por sua vez Jéssica Bernardo, que aos 14 anos é vendedora de citrinos num dos mercados informais da capital.

Já frequenta a 8.ª classe e todos os dias o negócio garante-lhe cerca de mil meticais, equivalente a menos de 15 euros: "Ajuda para comprarmos coisas em casa".

Jéssica assume conhecer "os direitos de uma criança, que são o de brincar e respeitar os mais velhos".

"Tenho tempo para brincar, posso sair do mercado às 15:00, depois de vender", diz.

Anabela Laura, de 10 anos, partilha as vendas diárias com Jéssica, enquanto de manhã está na escola, a frequentar a 6.ª classe. A venda de fruta ajuda rende menos de 400 meticais (menos de seis euros) por dia, mas garante que ajuda a família a comprar comida e roupa

"Tenho um sonho, quero ser médica, porque quero ajudar a minha família", atira.

As autoridades moçambicanas estimam que cerca de 2,4 milhões de crianças estão envolvidas em trabalho infantil no país, sobretudo nas zonas rurais, mas admitem melhorias nos últimos anos, com a criação de condições, para acesso à educação, formação profissional, distribuição de cestas básicas e subsídio social básico às famílias mais carenciadas.

Amélia Manjate, chefe do departamento de estudos e regulamentação do Ministério do Trabalho e Segurança Social, explicou à Lusa que a estes números de 2020 seguiu-se "uma nova realidade", com a redução de casos. Ainda assim admitiu que há mais situações de trabalho infantil nas zonas rurais, devido à prática de agricultura e pecuária, setores que possuem um "caráter familiar".

Na origem do trabalho infantil em Moçambique destacou fatores sócio-culturais, baixo nível de escolaridade, analfabetismo e razões climáticas que levam ao êxodo das comunidades.

"A população desloca-se para outra zona depois de perder tudo e as crianças, nesse processo, devem ajudar as famílias com alguma coisa (...) Há também causas burocráticos legais. Essa burocracia para ter, por exemplo, um documento, é que acaba empurrando a este tipo de trabalho", disse.

Sem avançar números, afirmou que nos últimos tempos está a crescer o número de crianças envolvidas no trabalho infantil na cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado que tem vindo a sofrer com ataques de insurgentes desde 2017.

"Temos a guerra em Cabo Delgado que está a provocar deslocação. Na cidade de Pemba vimos muitas crianças deslocadas, à deriva", afirmou, acrescentando que o Governo e parceiros trabalham naquele ponto do país para reduzir a vulnerabilidade da criança.