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A Inteligência Artificial e a criação de mentes artificiais

A IA veio para ajudar as nossas vidas, mas não deve ser confundida com uma solução que faz tudo por nós

A Inteligência Artificial (IA) tem vindo a infiltrar-se cada vez mais em várias esferas da nossa sociedade, e a educação não é exceção. Desde a licenciatura até ao doutoramento, a utilização de IA está cada vez mais presente entre os estudantes. Embora poucos admitam, a verdade é que muitos recorrem a estas ferramentas, e, como docente, não posso proibir o seu uso, apenas orientar e limitar a forma como são usadas. Reitero que há alunos que não usam esta tecnologia; no entanto, a percentagem de alunos que a usa e não admite, é significante.

Ao nível da licenciatura, os alunos tratam a IA como uma biblioteca infalível, confiando cegamente nas informações fornecidas e negligenciando a leitura de livros e a participação ativa nas aulas. Muitos preferem estudar “no ChatGPT” e depois surpreendem-se com as notas baixas. Alguns docentes, inclusive, deixaram de solicitar trabalhos escritos devido ao uso excessivo de IA, resultando em alunos que não sabem discutir criticamente o que leram.

Ao nível de mestrado, a situação piora. Muitos alunos pedem ao ChatGPT metodologias para os seus estudos, mas não verificam a coerência dessas metodologias com a literatura e trabalhos relacionados, e acabam por não conseguir conduzir os seus estudos adequadamente, comprometendo as suas dissertações.

No doutoramento, a dependência da IA é ainda mais alarmante. A leitura de artigos científicos e a criação de uma biblioteca digital de estudos recentes praticamente desaparecem. Frases como “já existe um software que faz isso” são comuns, mas questiono: será que esses doutorandos conseguem defender as suas ideias perante uma plateia de especialistas? As referências bibliográficas e argumentos são credíveis? Infelizmente, para estes alunos, a resposta é muitas vezes negativa.

A IA veio para ajudar as nossas vidas, mas não deve ser confundida com uma solução que faz tudo por nós. Pode fornecer orientações, mas não realiza o trabalho por completo. A dependência excessiva da IA pode minar a capacidade crítica dos estudantes, levando a uma geração que não consegue analisar, criticar e sintetizar informações de forma eficaz. A leitura de livros, a participação ativa em debates e a pesquisa em fontes variadas são essenciais para a formação de um conhecimento sólido e fiável.

A IA é uma faca de dois gumes. Se usada corretamente, pode ampliar o potencial de aprendizagem e inovação. Se usada de forma indiscriminada, pode gerar uma dependência perigosa, a disseminação de informações incorretas e o desinteresse dos alunos que optam pelo caminho mais fácil. A título de exemplo: ontem, pedi ao ChatGPT sugestões de pequenos-almoços típicos da Madeira e recebi a resposta “comece o dia com sopas de trigo, uma espécie de papa feita com trigo cozido e leite, acompanhada por um café ou sumo de fruta”. Como vivo na ilha, deduzo que esta “papa” provavelmente refere-se a “milho quente com leite”, mas este não é um elemento típico do pequeno-almoço madeirense – pelo menos hoje! Quem não conhece bem a área sobre a qual está a perguntar à IA pode acabar por aprender algo errado, sem ter noção. E assim, a IA pode ajudar a criar mentes artificiais, mas cabe-nos a nós, sociedade, garantir que as mentes humanas permaneçam críticas e analíticas.