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Madeira, e que tal refletires sobre o teu futuro?

Passados 48 anos de vivência em Autonomia, dirijo-te estas palavras para te convidar a refletir sobre o futuro, o teu futuro, observando alguns resultados obtidos durante este longo período de emancipação. Sei que terás a tentação de me dizer que eras uma região muito atrasada e que muito evoluíste nas últimas décadas. Compreendo o que queres dizer, mas essa perceção de evolução, deve-se principalmente às infraestruturas construídas e essas, foram consequência da generosidade da União Europeia (UE) que te enviou dinheiro em quantidades que nunca havias visto. De tal modo, que até te espalhaste em algumas, de valor considerável, que hoje estão ao abandono, e para as quais, nos puseste a todos a pagar dívida. Dir-me-ás que ao nível da alfabetização da população os resultados são notáveis. E eu responderei “Nim”. Alfabetizou-se, mas os níveis de iliteracia, também eles são notáveis. Também podemos falar do Serviço Regional de Saúde, ou não o fazer, atendendo aos inaceitáveis tempos de espera que os pacientes têm de enfrentar. Ou na escassez de habitação, em relação à qual se ouve que terás mais 600 fogos até ao final do corrente ano. No entanto, é manifestamente pouco e mais uma vez é a bolsa da UE através do PRR que as financia. Madeira, minha cara, o que realmente interessa, é a evolução substancial, isto é, no que as pessoas sentem, que níveis de riqueza lhes chegaram, no que realmente mudou as suas vidas para melhor, em resultado do caminho que optaste por seguir. E a realidade, não é animadora. Concordarás que as pessoas não se alimentam do PIB, ou de outro tipo de indicadores económicos, os quais, para serem analisados seriamente, têm de ser peneirados de modo a garantir informação líquida. Deixo-te algumas perguntas para que medites:

- Queres um futuro assente no capitalismo selvagem, cujos fundamentos trazem consigo incompatibilidades com a ecologia e a democracia?

- Queres continuar maioritariamente com ordenados mínimos e que a população trabalhe no duro, tendo a região sempre lugar no pódio das maiores taxas de risco de pobreza do país?

- Queres continuar a ver a classe média definhar, por os seus salários se verem sucessivamente “apanhados” pelo ordenado mínimo?

- Queres continuar a ver os jovens sem possibilidade de arrendar ou adquirir casa própria, porque em face dos valores praticados, a habitação apenas é acessível a estrangeiros?

- Queres continuar a fomentar a construção de uma sociedade onde os estrangeiros vivem bem e os jovens locais têm de emigrar, como fizeram os seus pais?

- Queres continuar a ter que aguardar tempos de espera inaceitáveis para consultas, exames e cirurgias, no serviço regional de saúde?

- Queres continuar a ter uma população, onde perto de um terço estende a mão ao cabaz de alimentos cedido pelas instituições de caridade?

- Queres continuar a não ter a opção de um ferry, no mínimo semanal, de e para o continente português, quando és uma região ultraperiférica?

- Queres que se continue a incentivar o uso do automóvel, construindo mais estradas e túneis, em lugar de se promover o uso do transporte público?

- Queres continuar a observar uma autonomia que está refém de quem a domina e comprovadamente não tem mecanismos eficazes de controlo e fiscalização ética e administrativa dos atos públicos?

- Queres colocar a região economicamente refém da monocultura do turismo e dentro desta, maioritariamente o de “pé descalço”, satisfazendo apenas o imediato? Queres continuar a aposta num turismo onde não há a introdução clara de fatores de diferenciação, que lhe confiram competitividade, nomeadamente ecológicos, “e que se limita” a melhorar a circulação em veredas e levadas?

- Queres o definhar da natureza (a casa de todos) pela pegada ecológica do turismo de massas? (sobrecarga dos percursos terrestres, excesso de empresas de aluguer de automóveis, congestionamento de rede viária, aumento de preços, receitas/lucros sem efeito considerável nos salários, incumprimento de algumas regras locais e instalação de visão estritamente económico-financeira, etc).

- E por fim, achas aceitável que numa democracia, um político constituído arguido pela justiça não compareça perante a mesma para se defender, se recandidate a eleições legislativas regionais, mantendo-se no exercício político/governativo de alto cargo, minando gravemente a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas?

Madeira, não é preciso ser-se muito esclarecido ou escolarizado para se perceber que “as coisas” não te correram bem. E ter altos níveis de iliteracia não ajuda, se é que me faço entender. Por último, digo-te que mudar de vida é sempre uma opção. Observa a natureza, onde primavera é um excelente exemplo e expoente máximo de renovação. Pensa nisso. Já tens idade para ter juízo.