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Crónicas

Tempo de bom senso

Na Madeira, é preciso mais coragem para pôr um “like” que para escrever opinião política. Um comentário é impensável

“A Madeira nunca teve tanta mão de obra e a taxa de desemprego atingiu o mínimo dos últimos 13 anos. Empresas, pessoal e volume de negócios bateram recordes”. Esta a capa do Diário do dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador.

Por isso não vos vou chatear com qualquer panfleto eleitoral. Tivemos eleições em dez de Março, logo a seguir outras internas e, agora, no período menos bom e “esquisito” do presidente Marcelo, este mandou repetir eleições realizadas há seis meses. Falta de tino e lucidez. Sem qualquer justificação. À moda do fascismo. Não está bem certamente. Em seguida vêm as europeias. Cada um sabe, no seu alto entendimento individual, onde deve votar para bem do nosso futuro colectivo. Não é tempo de raivas mas de bom senso e sabedoria.

O meu 25 de Abril

Fui um privilegiado em ter vivido o 25 de Abril com vinte anos de idade. Sem grande experiência na vida, mas com o estatuto de quem tinha vivido, por algum tempo, num colégio em Inglaterra e percebido o que era a democracia com a vivência numas eleições gerais (1970) entre os conservadores de Edward Heath e os trabalhistas de Harold Wilson. Foi como descobrir uma nova cidadania e forte vontade de trilhar um novo caminho em Portugal.

Percebi o porquê de tanta dificuldade em obter o passaporte para partir e estudar engenharia naval. Sabiam o que eu ia descobrir e como ficaria a odiar aqueles que quase impediam essa saída para a liberdade.

Namorei a filha de um histórico anti-fascista madeirense e, a partir daí, passei a ser chamado pelos altifalantes do aeroporto, para ir à polícia internacional, PIDE, sempre que embarcava para a universidade. Era interrogado sobre os propósitos da viagem, carimbavam o cartão de embarque, e deixavam-me seguir. Minha mãe que me levava ao aeroporto, sem o mínimo sinal exterior, sofria a angústia daquela popularidade precoce. Sem nunca me ter questionado. Mais tarde, era secretário de estado da cultura o meu amigo Pedro Santana Lopes, fui aos arquivos da PIDE na Torre do Tombo, recebido como nunca em outros serviços públicos, onde me responderam por escrito que na pequena parcela de arquivo sobrevivente o meu nome não constava. Alguém o destruiu.

O certo é que na minha vida de estudante universitário sempre convivi próximo dos meus colegas de esquerda, alguns extremistas, com quem passava os dias e noites a discutir ideologia e o mundo que queríamos construir. Sofria quando eram presos, sujeitos a tortura, cabelo rapado e voltavam à universidade para tudo recomeçarem. Eram os meus heróis. Ainda me correspondo com alguns deles.

Em 1975, escrevi no quadro de aula do prof. António Marta, futuro primeiro secretário de estado da integração europeia, com quem negociei os termos da entrada da Madeira na então CEE, “viva a república democrática da Madeira” o que me custou dissabores junto da associação de estudantes por denúncia de um madeirense, então comunista, agora integrando uma das candidaturas das eleições internas do PSD. Espero que leia este registo.

São inacreditáveis a maioria dos episódios vividos em 74 e 75 durante o PREC - processo revolucionário em curso. Reproduzir esses acontecimentos teria sempre a dificuldade de não conseguir retratar a emoção psicológica desse tempo, a loucura e insanidade mental da maior parte dos intervenientes. Lembro-me de ter participado num comício de François Miterrand e Mário Soares. Eu era fanático pela democracia, em especial, ausente da minha universidade. Felizmente o 25 de Novembro deu esperança e trouxe uma nova motivação pelo país. A integração na Europa completou o optimismo civilizacional. Mas foi duro. A democracia esteve ameaçada e muitos dos que se fazem de esquerda não passam de perigosos extremistas à procura de vingança por processo totalitário falhado. Alguns deles andam por aí. Muitos nem de cá são. Vivem no paraíso que tentaram tornar impossível. Mas o verdadeiro desafio para a Madeira esteve na opção entre uma independência de latitude africana ou uma autonomia de periferia europeia. Valeu a liderança do PSD Madeira, o único partido a intervir num quadro de total responsabilidade própria sem condicionamentos à vontade de Lisboa ou ao eixo Moscovo/Washington. A autonomia revela-se, pelo menos por enquanto, solução equilibrada, cabendo às gerações futuras avaliarem as diferentes perspectivas que há por diante. Várias regiões de Espanha, Reino Unido e Bélgica debatem e lutam por separação das “pátrias” históricas. O sucesso das suas pretensões farão deles futuros estados maiores que Malta, como seria o nosso caso. Não vinha mal ao mundo e, muito menos, à Madeira. Só faz sentido uma fidelidade portuguesa no caso de respeito mútuo pelas aspirações e diferenças específicas que queiramos manter. Não fez mal a Portugal termos táxis de cor distinta. Termos sido os primeiros a ter tv-cabo. Ou a dinamizar uma zona franca. Como não fará se tivermos diferente fiscalidade. Ou outra singularidade qualquer. Mas temos de ser entendidos no que é essencial e nos impede de ser felizes.

Não suporto não haver anualmente uma cimeira entre os três chefes de governo em Portugal, terminando com jantar reunindo o chefe de Estado, sendo feito ponto da situação de todos os temas ainda não resolvidos entre as partes.

Esta perspectiva ideal, parece impossível concretizar e amordaça o nosso futuro. Uma verdade parece confirmada: como somos, em termos colectivos, nunca podemos ser mais do que alcançámos. É a ordem natural das coisas. Nunca fomos capazes de ultrapassar constrangimentos psicológicos, éticos e morais que sempre nos atormentaram. Cada um acha que é melhor que todos. Daí ninguém sai. Um partido sai de uma coligação de governo e, no dia seguinte, diz-se oposição, como nada se tivesse passado.

Escrevem-se páginas e páginas de artigos de opinião neste Diário e nunca deles vi retirarem uma ideia que seja para ser analisada e discutida. Os jornalistas acham que é concorrência desleal de amadores a “venderem o seu peixe”. Os políticos não se atrevem a qualquer comentário que dê relevância a um colega que venham a considerar mais inteligente. E há ainda o pavor em se saber que fulano gosta do que beltrano escreveu. Afinal, mesmo numa terra pequena, nunca nos conhecemos. Apenas sabemos os nomes.

Na Madeira, é preciso mais coragem para pôr um “like” que para escrever opinião política. Comentário é impensável. A não ser anónimo e anarca. É como se ninguém gostasse de nada, nunca concordasse.

Tem de haver uma salutar e gradual renovação em todas as vertentes da política e da sociedade. A experiência que se adquire com a idade é importante mas, mais que isso, tem de se fazer a substituição natural das gerações na liderança e condução da vida pública. Ninguém pode ser eternamente protagonista quer do poder quer da oposição. Aqui perde-se e continua-se.

A sensação que nos fica é que os valores e as instituições desaparecem se os seus fundadores entregarem o facho condutor a outros pensadores. A outros líderes.

Individualmente ninguém está a mais e é dispensável. Somos poucos, temos de aproveitar o talento disponível. E ninguém pode viver na mínima do “ou eu ou sou contra tudo”. Muitas vezes na vida a solução perfeita não existe e há que escolher pelo mal menor. Ter bom senso e dar tempo a uma nova etapa optimista. Ter a sabedoria para nada destruir apenas porque não se gosta do que tem ou há. Mas nunca errar escolhendo o que se sabe que é mau e está à vista de todos.

Política

Tivemos quatro líderes políticos que se perpetuarão na nossa memória e saudade: Ramalho Eanes, Cavaco Silva, Mário Soares e Sá Carneiro. Que inveja para os outros. Principalmente para os que não sabem sair. Para os que se arrastam com medo da morte histórica.