É correcto equiparar os níveis de pobreza da Madeira com os da Venezuela?
A agência noticiosa Lusa divulgou, ontem, um trabalho em que presidente da ONG venezuelana ‘Regala Una Sonrisa’ afirma haver portugueses a viverem, na Venezuela, “com muitas necessidades, em situações de carência e que precisam de mais ajuda dos compatriotas e do Governo português”.
A divulgação dessa notícia na imprensa madeirense suscitou comentários pouco solidários, apontando no sentido de também haver pobreza e gente necessitada em Portugal e, mais especificamente, na Madeira. Mas serão os níveis de pobreza da Venezuela comparáveis aos registados na Madeira?
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A comparação entre os níveis pobreza existentes na Madeira e na Venezuela são possíveis de fazer, por haver estudos, tanto para um território, como para o outro, ainda que possam ter variações metodológicas na base.
Os dados mais recentes sobre pobreza e exclusão social em Portugal foram divulgados pelas autoridades nacionais de estatística (INE – Instituto Nacional de Estatística e DREM – Direcção Regional de Estatística da Madeira).
Esses dados revelaram que, em 2022, a Madeira registou o segundo nível mais elevado de risco de pobreza e exclusão social, com 28,1% dos madeirenses nessa situação. “Na Região Autónoma da Madeira (RAM), a taxa de risco de pobreza ou exclusão social (rendimentos de 2022) foi de 28,1%. Tal reflecte uma diminuição de 2,1 pontos percentuais (p.p.) face a 2021.”
Os dados resultaram de um inquérito realizado em Abril de 2023.
A DREM explicou, em concreto, o que é considerado na taxa em causa: “A taxa de risco de pobreza (que corresponde à proporção da população cujo rendimento equivalente se encontra abaixo da linha de pobreza, ou seja, dos 7.095 euros anuais, que corresponde a 60% do rendimento monetário líquido anual mediano por adulto equivalente para Portugal) calculada com a linha de pobreza nacional foi de 17,0% no País em 2022 (mais 0,6 pontos percentuais – p.p. – face a 2021), sendo que na RAM atingiu os 24,8% (-1,1 p.p. que em 2021).”
Em Maio de 2023, o jornal Observador divulgou um estudo da Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos da América, sobre os países com mais miséria no Mundo. No topo da lista está o Zimbabué e, logo a seguir, em segundo lugar, a Venezuela, que fica à frente da Síria, país em guerra há mais de dez anos.
“No segundo lugar está a Venezuela que, segundo a National Review, registou dois episódios de hiperinflação desde que Nicolás Maduro chegou ao poder em 2013. No extremo oposto da tabela surge a Suíça — em 157.º —, o país com menor índice de miséria e o “mais feliz”, à frente do Kuwait e da Irlanda”, escreveu o Observador.
“Portugal surge no 124.º lugar do ranking com o desemprego como o maior fator que contribuiu para a sua posição.”
O estudo ‘Panorama Social de América Latina 2021 – CEPAL’, na página 202, revela que a Venezuela é o país com menor gasto em saúde, em percentagem do PIB, contabilizando o gasto público e privado, menos de 4%, na América Latina e Caribe.
Em Setembro de 2021, o canal de televisão France24, noticiou um estudo do reitor da Universidade Católica Andrés Bello, do Chile, Francisco Virtuoso, que afirmava: “A pobreza na Venezuela já bateu no fundo do poço.”
Era afirmado que 94,5% dos cidadãos venezuelanos viviam abaixo do limiar da pobreza e que havia mesmo 76,6% a viverem em pobreza extrema.
O mesmo estudo foi citado pela BBC World que explicou o agravamento das condições de vida pelo efeito da Covid-19, que se juntou à hiperinflação, vivida desde 2014, e os preços do petróleo muito abaixo dos máximos históricos.
O Instituto Nacional de Estatística da Venezuela, num estudo com os Indicadores de Necessidades Básicas Não Atendidas, no país – 1999-2019, revelou que, em 2019 houve 1.397.718 pessoas que não conseguiram satisfazer as suas necessidades básicas, sendo apontada uma percentagem de pobres de 17%. De entre estes, 331.578 eram pessoas em pobreza extrema, correspondente a 4% da população.
Em Portugal, para 2021, um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos colocou Portugal com uma taxa de privação material e social severa (diferente de risco de pobreza) de 6%.
Uma nota para as insuficiências da análise se basear em estatísticas oficiais. Geralmente ficam aquém da realidade e, não raro, mascaram a realidade com questões técnicas. Ainda assim, por tudo o que aqui foi dito torna-se claro que os níveis de pobreza registados em Portugal e na Madeira não se comparam à situação vivida na Venezuela. Por isso, apesar de haver pobreza nos dois lados do Atlântico, é falso que ela seja equiparável.