Crianças queridas ou rejeitadas por famílias fragilizadas?
O Dia Mundial da Criança convida a ler os sinais alarmantes relativos às crianças não amadas nem desejadas tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, mas por razões distintas; nestes, as crianças são cada vez menos e os idosos desamparados cada vez mais; nos segundos, mais sujeitas à fome, pobreza, desamparo, abandono e morte. Impressionam as cenas de carícias para com os animais ao lado de crianças não respeitadas na sua dignidade, vida e sem o amor dos pais. Ainda terá validade a “Declaração…” da ONU (1948) de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e com direito à vida? Será que uma criança viva, mas ainda por nascer, é protegida e por quem? E o que é um direito humano? Que sentido terá reconhecer um direito se à reclamação desse direito não responde ninguém ou se só responde com palavras vazias e de morte? As crianças precisam de ternura, carícias, pão, aconchego, sorrisos, amor e bons exemplos dos pais. Sem isso, como podem confiar e viver a sorrir?
O facto de no Ocidente, as crianças serem cada vez menos e os idosos em maior número vai desenhando um quadro de solidão e tristeza: escolas a fechar, famílias de idosos depressivos por falta do aconchego de filhos e netos. Importa ler estas situações como sinal alarmante de nuvens sombrias e tristezas que pairam sobre a cultura atual e não perspetivam nada de bom. Esgotam-se a harmonia familiar e a sociedade protetora baseada na dignidade inerente a todos os membros da família. Impressionam as investigações de estudiosos sobre o aumento da violência familiar, as separações conflituosas dos casais, mães agredidas e mortas; crianças batidas, abusadas e separadas dos pais; adolescentes envolvidos em grupos de delinquentes de comportamentos destrutivos. Felizmente que são mais as entidades impelidas a remediar estas feridas de desagregação familiar, embora nem sempre com os resultados esperados. Por outro lado, é deplorável que algumas organizações sociais, governantes, políticos, escolas e legisladores embarquem em estratégias de “pescadinhas de rabo na boca”. Em vez de solução tornam-se parte dos problemas. Algumas medidas são fraturantes e, em vez de mitigarem os problemas, provocam mais tensões e ruturas familiares. As democracias doentes, em muitos quadrantes, adensam os jogos de poder e empurram muitos para os riscos de menos democracia. Vem a propósito lembrar uma pergunta de Jesus (Mc. 9,30-37) e, hoje mais, devido ao poder de as redes sociais incendiarem as paixões. «Jesus ensinava os discípulos, dizendo-lhes: o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-lo; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará. Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: “Que discutíeis no caminho?” Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior». O assunto mais discutido, hoje, por políticos e governantes; empresários e elites; blocos, jornais e televisões; casais, atores, desportistas, alunos em bullying e tantos outros é: quem de nós, é o maior? Agora vem a Polícia alertar que encontram crianças e adolescentes, dos 9 aos 16 anos, a quererem ser mais espertos a fazer negócios, por conta própria, que os colegas: fazem vídeos pornográficos e negoceiam a venda aos colegas! (Cf. Expresso diário, 24.05,2024). Será que as famílias e escolas transmitem valores humanos de bondade, entreajuda e bem-estar ou tornam-se minicentros de guerrilhas infantis? Agora até os políticos concedem, como direito, às mães para em vez de ternura e carícias antecipadas à criança aninhada no seu seio, fazer bullying desafiante como a dizer: tenho direito de não te querer. Imaginem os leitores, por um momento, que este direito é reclamado por todas as mães. Se é um direito todas o poderão reivindicar, não? E se o fizerem danificariam, não apenas os seus filhos, mas privavam de crianças toda a sociedade. Será possível? Penso que não, mas os absurdos batem à porta dos insensatos.
O Dia Mundial da Criança, de dia de acolhimento e ternura, arrisca-se a degenerar em palavras bonitas mas sem eficácia. Jesus juntou as palavras aos gestos maternais. «Apresentaram a Jesus umas crianças para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas. Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes: Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis: dos que são como elas é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará nele. E, abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre elas (Mc 10, 13-16). Bom seria que, neste dia, mães e pais, e todos os que exercem a missão de criar e educar crianças, as abençoem como Jesus e não as descartem como objetos fora de validade. Felizmente, temos tantas mães e pais que nunca faltam aos seus filhos de tal modo que estes, mesmo em choro e dor, os abraçam confiantes!
Aires Gameiro