Por Santana dentro
Ir por Santana dentro…
Uma frase generalizada na nossa ilha, que embora não pareça, reflete tempos difíceis que se viveu na Madeira, no século passado, num após guerra.
Santana foi, e é, um ponto de referência da nossa Ilha. Não só pela beleza das suas casinhas típicas, que percorrem mundo além, mas também, por toda a sua beleza envolvente, desde a Rocha do Navio, passando pelas Queimadas até a Achada do Teixeira, que abraça o Pico Ruivo ali tão perto, debruçando-se sobre os miradouros, que nos oferecem miraculosas paisagens, capazes de nos fazer conter a respiração. São as suas águas cristalinas, que se despenham nas suas cascatas em brancos lençóis de espuma, uma rara beleza imaculada, doada pela Mãe Natureza.
Tudo isto, que Santana nos oferece, mais o sabor da sua gastronomia, a sua confortável hospedagem, juntando à hospitalidade da sua gente e, ainda o encanto das suas festas, aguça-nos o desejo, de irmos por Santana dentro.
Mas, ir por Santana dentro, em tempos austeros, tinha outra finalidade, tinha outro sentido.
Ir por Santana dentro, era ir buscar algo para matar a fome, à fertilidade da sua agricultura, numa época em que, Santana era então, o celeiro da Madeira.
Muitas e muitas toneladas de semilha, Santana exportava para fora da nossa ilha.
Recordo-me muito bem, da azafama da colheita da semilha, quando o dia era” pequeno” para tanta tarefa, quando arrancávamos as semilhas e as embalávamos em caixas de madeira, para serem transportadas pelos camiões, que de madrugada partiam com destino à Pontinha, para as carregarem nos barcos, que as levariam a outros portos.
Outras farturas faziam parte da sua produção; O trigo, o milho, o feijão e outros mais.
Infelizmente, esta fartura não chegava a todos os seus habitantes, porque muita gente não possuía terrenos agrícolas, ou se os possuía, era em pequena escala, cuja produção era escassa à sua sobrevivência.
Havia pobreza, havia fome.
Pobreza que, se alastrava por todas as freguesias da nossa ilha. Então, todos os dias chegavam a Santana mendigos de saco às costas, a pedir algo que fosse comestível para levarem para casa, a fim de puderem confecionar uma ou mais refeições. Outros que viviam em vilas piscatórias, como era o caso de Machico, apareciam com peixe salgado para trocar por semilhas. Do Faial, levavam figos para idêntica troca. Era uma dura luta pela sobrevivência de uma gente, que de pés descalços, indiferentes às condições atmosféricas, calcorreava, íngremes caminhos, à procura do pão, que a pobreza lhes negava.
Outras pessoas de melhores haveres, também se deslocavam a Santana, para com o seu próprio dinheiro, comprarem os bens que necessitavam.
Era assim; quando a fome apertava, ia-se por Santana dentro, tentar a sorte.
Então quando alguém adivinhava dificuldades, ao tomar certas precauções dizia, que não queria ir por Santana dentro, com um saco às costas.
José Miguel Alves