Duas embarcações do SANAS aguardam por dinheiro para poderem salvar vidas?
Nos últimos dias, a Secretaria Regional de Saúde e Protecção Civil comprometeu-se a comparticipar os custos com a reparação das duas embarcações ARUN que o SANAS Madeira - Associação Madeirense para Socorro no Mar possui.
A notícia avançada pela RTP, na semana passada, já deu origem a vários comentários nas redes sociais. Um dos internautas apontava o facto de uma dessas embarcações nunca ter funcionado devidamente, desde que chegou à Região, e dava conta de que a outra há vários meses que estava parada.
Mas será mesmo assim? É isso que vamos procurar validar nesta nossa abordagem.
Foi em 2003 que o SANAS Madeira adquiriu, em segunda mão, no Reino Unido, as duas embarcações ARUN que hoje integram os meios náuticos desta associação.
A aquisição, feita no mês de Abril desse ano, terá custado cerca de 250 mil euros. O plano à data determinava que uma das embarcações ficaria sediada no Funchal, enquanto a outra estaria afecta ao Porto Santo.
Na altura, o então presidente do SANAS, Paulo Rosa Gomes, notava que a instituição ficava equipada “com o que há de melhor em termos de salvamento no mar”.
Estes salva-vidas têm 16,5 metros de comprimento e cinco metros de boca, com uma arqueação bruta de 29 toneladas e um raio de acção de 230 milhas, navegando a uma velocidade máxima de 18 nós. São embarcações que, estando em devidas condições, podem operar em quaisquer condições de mar, sobretudo em condições adversas, tanto de dia, como de noite. Uma das suas principais características tem a ver com a possibilidade de se poderem endireitar automaticamente se virarem no mar.
Os navios, na altura com menos de 10 anos, foram adquiridos à Royal Navy Lifeboat Institution (RNLI) e, aquando da compra, o responsável do SANAS garantia que os mesmos se encontravam “em excelentes condições”, esclarecendo que os motores tinham menos de duas mil horas de navegação e os cascos estavam em perfeito estado.
Paulo Rosa Gomes adiantava, ainda, que uma das embarcações havia sido paga, quase na totalidade, pelo Governo Regional, devendo o custo da outra ser suportado por mecenas. Só terá sido possível adquiri-las a tão baixo preço, disse aquele responsável, por influência da International Lifeboat Federation (ILF), na qual o SANAS estava filiado.
Mas os problemas com estes salva-vidas começaram muito antes dos mesmos chegarem à Madeira. Desde logo, a viagem entre o porto inglês de Portland, onde se encontravam, e o Funchal, que inicialmente estava prevista ser feita de forma directa, acabou sendo feita via Tenerife.
Os navios chegaram àquela ilha de Canárias em porta-contentores e sem estarem devidamente apetrechadas para navegar, e só daí vieram a navegar ao Funchal, depois de instalados todos os equipamentos mínimos e com paragem técnica nas Selvagens.
A chegada, que esteve prevista para início do mês de Junho de 2003, só veio a efectivar-se em Novembro desse ano. E depois de cá estarem, os problemas com o registo das embarcações originou alguns incidentes com a Autoridade Marítima, adiando a sua ‘entrada em cena’ por alguns anos.
As burocracias com a certificação levaram, inclusive, em Dezembro de 2007, a Assembleia Legislativa da Madeira a acusar o Estado de estar “muito mais preocupado com hierarquias e manutenção de prerrogativas do que com a salvaguarda de vidas no mar”, conforme aponta uma resolução aprovada nessa altura. Essa missiva reivindicava “a autorização imediata do Governo da República para a utilização, pelo Governo Regional da Madeira, das duas embarcações ‘Arun’ nas operações de busca e salvamento a náufragos na Região”.
Mas só em Dezembro de 2008 o registo marítimo foi conseguido, ficando os ARUN operacionais só em Julho de 2009. Os arranjos e as vistorias aos dois navios custaram ao SANAS, na altura, 198 mil e 600 euros e só um deles ficou operacional. A lei obrigou a mudar o nome e a associação rebaptizou-o como ‘Salvador do Mar’.
O outro navio não chegou a navegar até ao presente, permanecendo em doca seca.
Navio com operacionalidade intermitente
Ultrapassados os primeiros obstáculos e tendo um dos ARUN ficado operacional, a verdade é foram vários os momentos, depois de 2010, em que o navio não pôde operar.
No início de 2011, por exemplo, a embarcação teve de ser sujeita a pequenas alterações impostas pelo IPTM - Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I.P. como é o caso da instalação de sensores de incêndios. A homologação definitiva, que ocorreu nesse ano, dependia da aquisição desses equipamentos. Mas nem isso garantiu a operação contínua. Entraves foram levantados em relação à disponibilidade de porto, no Porto do Funchal, que estava em obras.
Em Julho de 2013, o navio foi testado num exercício de emergência operacional, realizado na frente mar do Porto Moniz e, mais tarde, acompanhou Frederico Rezende, na ligação em mota-de-água entre Lisboa e o Funchal, nesse mesmo ano.
No ano seguinte, em Fevereiro de 2014, foi notícia a participação do ARUN nas acções de busca pelo turista alemão desaparecido no mar das Achadas da Cruz. Dois anos depois, no início de 2016, o actual presidente do SANAS dava conta do desejo de ter o segundo ARUN operacional, voltando o Porto Santo a ser apontado como possível destino dessa outra embarcação que continuava varada, por não ter condições de operacionalidade, no Centro de Salvamento Costeiro de Santa Cruz.
Esse desejo, que foi repetido nos anos seguintes, não foi concretizado até ao momento, sendo agravado, de há dois anos a esta parte, com uma indisponibilidade operacional do ‘Salvador do Mar’ que perdura, deste então.
E em que situação estão actualmente?
Contactado pelo DIÁRIO, Frederico Rezende confirmou todo o historial atribulado destas embarcações, dando conta de que ambas foram restauradas recentemente, faltando apetrechá-las com os necessários equipamentos de navegação e comunicação. A participação do Governo Regional nesse custo está assegurada, conforma veiculou Pedro Ramos, à comunicação.
Confrontado com a inoperacionalidade actual das embarcações, o presidente do SANAS confirma que “uma delas, desde que chegou à Madeira, nunca esteve operacional”. A outra “foi preparada e intervencionada e esteve a trabalhar até há aproximadamente dois anos”. Neste último caso, fruto de uma revisão de rotina foi constatado que a mesma necessitava de uma intervenção mais profunda e, por conseguinte, mais dispendiosa, não havendo disponibilidade na altura para o efeito, acabando por ficar a aguarda por financiamento.
Rezende salienta, também, que desde o início estes navios “precisavam de ser adaptados e precisavam de ser montados instrumentos que as embarcações não tinham”, aspecto que está de novo em causa, traduzindo um investimento na ordem dos 150 mil euros.
Sobre as questões burocráticas que têm imperado ao longo dos anos, aquele responsável esclarece que “existe um problema a nível nacional, pois não há legislação para o registo de embarcações de socorro”, problema que afecta todas as embarcações do SANAS, incluindo os ARUN.
Neste momento, todas essas embarcações estão registadas como sendo de recreio, ainda que operem no socorro. “Temos andado há vários anos junto à DGRM [Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos], que é quem tutela este assunto, que tem dado a sua contribuição e a sua ajuda”, adianta Frederico Rezende, salientado o empenho que o SANAS tem demonstrado na resolução do problema.
Nesse sentido, já foram feitas reuniões no Ministério do Mar, nomeadamente com a anterior ministra, Ana Paula Vitorino, ainda que a situação esteja por resolver. Algo semelhante afecta o Instituto de Socorro a Náufragos (ISN).
Voltando às embarcações e ao seu estado actual, Frederico Rezende adianta que “as embarcações, em termos de máquinas e de caixas, estão prontas, praticamente. Falta terminar a parte do casco, dos lemes e das transmissões. E depois falta tudo o que diz respeito a sistemas de navegação e sistemas de comunicação”.
Os sistemas em falta são dispendiosos, e neste momento o SANAS não tem disponibilidade financeira para a sua aquisição, devendo tal se concretizar até final do ano, ficando os dois navios operacionais. Esta é, pelo menos, a previsão do presidente da instituição que presta socorro no mar.
Rezende alerta para o facto de, no momento, a Região não ter nenhuma embarcação com as características destas ARUN, “que naveguem em qualquer condição de mar”, situação que configura, no seu entender, uma preocupação acrescida para o SANAS.
Perante o exposto, podemos aferir que a afirmação “uma das embarcações ARUN do SANAS nunca funcionou desde que chegou à Madeira e a outra está parada há vários meses”, feita por um internauta num comentário nas redes sociais deve ser considerada verdadeira.