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Boas pessoas e boas políticas públicas

1. Este ano, mais concretamente no passado dia 22 de Abril, o genial, laborioso, universal – e para muitos dos (meus) alunos, difícil e complicado de entender – filósofo alemão Immanuel Kant, se fosse vivo, celebraria 300 anos. Uma impossibilidade genética e biofisiológica da nossa e de muitas outras espécies de seres vivos, dir-me-ão os leitores deste artigo, mas que é simultaneamente o desafio para alguma da investigação científica (por exemplo, da Gerociência) e da técnica, que daqui por umas dezenas ou centenas de anos nos possibilitarão retardar em muito o processo de envelhecimento das nossas células e vivermos de forma mais saudável e por muito mais tempo. (“Que chatice”, afirmarão uns quantos!)

Ora, se esta é uma inviabilidade natural/inata do ser humano (por enquanto), já o impedimento de proferir mentira(s) – aldrabices, inverdades, ilusões, falsidades, logros, tretas… – está sobretudo na consciência moral de cada um de nós (para Kant, na lei moral da razão prática que se exprime através do imperativo categórico), e durante estas últimas e animadas semanas de campanha político-partidária na RAM (mas sem grandes celeumas), os diferentes candidatos que ambicionam chegar ao poder não se têm furtado a elas, bem pelo contrário! A mentira (aqui a promessa política sem alicerces/substância) abunda e multiplica-se nos discursos de ocasião e nas ações de campanha, mesmo (todos) sabendo que já não tem a eficácia de outros tempos e que as artimanhas e segredos são conhecidos e julgados por praticamente todos os cidadãos. A mentira já não tem só “perna curta”, mas é levada até à exaustão e o 1.º de abril já soma quase dois meses.

As novas e/ou repetidas promessas de construção “massiva” de habitação a custos controlados, não esquecendo a promenade entre a Ribeira Brava e a Tabua e uma Via Expresso entre a Ponta do Sol e os Canhas; o compromisso de gratuitidade nas creches para todas as crianças da RAM e de que os universitários madeirenses deixarão de pagar propinas; o fim da cobrança excessiva de impostos e a redução do IVA, IRC… da máquina do Estado e de Secretarias no Governo; a promessa de uma ligação ferry “negociada com Canárias”, entre a Madeira e o território continental; de redução real das listas de espera para cirurgias, assim como do melhorar do acesso à saúde; do combate ao abandono escolar e da fixação de docentes e educadores nas escolas da Região; de criação de oportunidades de trabalho e de salários justos/dignos para os jovens – que são a geração mais bem qualificada de sempre – que decidem abandonar a Região; não esquecendo os compromissos de mais apoios para a agricultura, para o sector do turismo (a nossa alavanca económica), mas também a recuperação das antigas estradas, percursos pedestres e miradouros… e não podia faltar o combate à corrupção e compadrio e a velha (e já gasta) promessa de realização das alterações necessárias ao Subsídio Social de Mobilidade por forma a que os residentes só tenham de pagar os 86 euros no ato da compra da uma passagem aérea. Aparentemente, vale prometer (quase) tudo por estes dias e até entrar em contradição consigo próprio, pois na “arte” da política a ética fica quase sempre de fora!

Os desacreditados com a política e com os políticos – e simultaneamente aqueles que estão bastante atentos a estes assuntos, percebem bem que a mentira foi sempre um instrumento útil e necessário (e até legítimo) para o homem de Estado –, sabem o que são falsas e/ou ilusórias promessas e quantas delas estão (e ficarão) por materializar.

Sonhar é bom, causa múltiplos benefícios na forma como processamos (e superamos) algumas das experiências do dia a dia – dizem-nos os especialistas –, “não custa nada” e até contribuiu para a evolução e desenvolvimento da humanidade. Já mentir de forma intencional, deliberada e organizada (manipular, ocultar a verdade…) é outra coisa bem distinta e visa propositadamente enganar, “lavar cérebros”, fabricar outra realidade para substituir aquela que é autêntica/real, ocasionando em todo este processo diversas vítimas que ficam pelo caminho, fruto das quase ilimitadas invenções (pantominices) que servem os interesses de uns (poucos) e que arruínam a vida e o futuro de outros, geralmente muitos.

Para Kant, o tal filósofo dotado de um espírito superior e global que ficou para a posteridade como o autor de uma teoria ética formal sui generis, a regra de dizer a verdade é “um mandamento sagrado da razão” (um imperativo categórico, um preceito absoluto) e em nenhuma circunstância essa regra admite exceções, ou seja, nunca se deve/pode mentir. Dito de outro modo, não há justificação possível para violar a regra de dizer a verdade – nem mesmo os melhores propósitos/intenções ou para evitar um mal maior e imerecido (precaver consequências desagradáveis) – pois se a violação desta fosse permissível, deveres tão importantes como aqueles que vinculam as pessoas a contratos (e que são a base da confiança social) passariam a ser completamente inúteis. (Há, sem dúvida, uma clara diferença entre “ter bom caráter” e “bom coração”, e as boas pessoas/políticos vivenciam e disputam um equilíbrio muito labiríntico entre ambos.) A mentira deixa de ser eficaz se as pessoas deixarem de confiar umas nas outras, e desta forma de nada servem os compromissos assumidos e as promessas políticas proferidas.

Como é entendível, a posição de Kant não se harmoniza com os tempos modernos, período em que por estranho que pareça há a inexistência de uma ética mínima na política, onde, infelizmente, a luta por uma política decente é (quase) uma missão inglória, pois há suspeitas constantes e desconfiança geral e alegadamente deixou também já de existir seriedade, lealdade e integridade. Os interesses pessoais estão agora em primeiro lugar e substituem o Bem Comum, a causa pública.

A política falha hoje porque os objetivos coletivos deixaram de ser prioritários – assim como a Verdade –, e quem lucra/cresce com tudo isto nos sistemas representativos liberais (democracias) é sem dúvida a direita radical, sistemas que têm inúmeras fragilidades e valores (como a liberdade, igualdade, tolerância, solidariedade, multiculturalidade…) e que esta sabe deteriorar/minar e usar a seu favor.

2. Considero que os atos eleitorais são a oportunidade certa para começarmos a contrariar a ascensão dos movimentos (e partidos) populistas e extremistas em Portugal e na Europa, resultado das evidentes (e ofensivas) assimetrias sociais que o modelo económico vigente gerou, assim como as consecutivas crises económico-financeiras das últimas décadas, a que se adicionam a repetida descredibilização das instituições democráticas, a falta de ‘líderes fortes’ e com uma visão de futuro, mas também o número de processos/casos (e perceção) de corrupção. Se é um facto que a Região Autónoma da Madeira necessita de bons (e jovens) políticos, ela também carece de uma nova, criativa e equilibrada geração de políticas públicas (distributivas, reguladoras, redistributivas…), seja no sector da habitação, seja nas áreas da educação, saúde, ambiente, natalidade, turismo e cultura, inclusão social…, políticas que devem responder às necessidades reais/concretas das gerações presentes, mas sem comprometer as ambições e escolhas das gerações futuras. Em suma, precisamos de políticas justas que respondam com eficiência e eficácia os problemas efetivos dos cidadãos, que não desfavoreçam nenhuma faixa etária nem aumentem as desigualdades sociais e geracionais e que tenham uma visão do presente e estratégica para o futuro! Acredito que só assim poderemos mostrar aos atuais e futuros eleitores que os discursos populistas não são coerentes, mas demagógicos, e que não apresentam uma alternativa política válida.