O bom, o mau e o depenado
Depois da noite eleitoral em que, como é habitual, todos encontraram razão para cantar vitória, há uma certeza que fica. Tornou-se insuportável a manutenção de uma lei eleitoral que, entre outras aberrações, não permite o voto antecipado e impede os invisuais de expressarem a sua opinião, de forma autónoma, nas urnas. A bizarria da nossa lei eleitoral torna-se ainda mais chocante se pensarmos que, daqui a alguns dias, tudo o que era ilegal para a Assembleia Regional passa a ser possível para o Parlamento Europeu. Numas eleições em que tanto se falou de autonomia, talvez não fosse má ideia começar pela revisão da lei eleitoral.
O bom: PSD Madeira
Estas foram, muito provavelmente, as eleições legislativas mais difíceis para o PSD na Madeira. Os factos, anteriores à eleição, falam por si. Uma operação judicial, de dimensão inédita, que atingiu as duas principais figuras do partido. O fim de uma coligação com o CDS que, unânime ou não, garantiu vitórias em todas as eleições a que se apresentou. E, por fim, as cicatrizes de uma eleição interna que ameaçava dividir o partido em duas trincheiras políticas. Nenhum adversário do PSD seria capaz de imaginar um cenário eleitoral tão difícil para os sociais-democratas. É a partir desse cenário, dessas circunstâncias políticas extraordinárias, que o resultado eleitoral de Domingo tem de ser lido. É certo que a aritmética indica o pior resultado de sempre, mas a política revela que, apesar da brutal tempestade que se abateu sobre o PSD, o partido perdeu um único deputado face às últimas eleições regionais. Mais do que uma prova de vida, é uma prova inegável de força e, acima de tudo, a porta aberta para que o PSD faça aquilo em que sempre se destacou – governar. A partir de agora, deve ser esse o único foco de Miguel Albuquerque. Quanto mais depressa o PSD formar um governo, apresentar um orçamento e começar a governar, mais depressa ficará claro quais são os partidos disponíveis para contribuir para a estabilidade governativa e quais os que preferem a confusão. Para isso é irrelevante a existência de uma maioria absoluta, basta ao PSD a inteligência de apresentar um programa de governo e um orçamento que seja, aos olhos dos cidadãos, inatacável. Se o fizer, o ónus da governabilidade da Região deixa de ser seu e passa a ser dos restantes partidos. Por isso, não basta a Albuquerque repetir o programa e o orçamento que apresentou em 2023. Esse seria um erro fatal.
O mau: Marcelo Rebelo de Sousa
Mais de dois meses depois de ter dissolvido a Assembleia Legislativa, Marcelo voltou a falar sobre a Madeira. O momento escolhido – no fim de um jogo de futebol – revela bem o que pensa o Presidente sobre os efeitos da sua decisão. Para quem tivesse dúvidas, Marcelo esclareceu. O Presidente da República não se sente responsável por nada. É, nas suas palavras, inimputável. Não se trata, todavia, de uma novidade. Marcelo usou a bomba atómica no parlamento regional e, até hoje, não teve a decência de explicar aos madeirenses, de viva voz, as razões que o levaram a fazê-lo. Hoje, depois do último resultado eleitoral, essa explicação é mais premente do que nunca. Se as eleições na Madeira serviriam para uma clarificação e se os resultados tornaram tudo ainda mais confuso, então qual foi a vantagem de rebentar com uma maioria e realizar, à força, novas eleições? É esta a pergunta para a qual Marcelo não tem resposta. E é por isso que continua escondido atrás de comunicados, a falar através de comentadores e a fazer de conta que o seu funcionário no Palácio de São Lourenço tem alguma palavra na matéria. Obviamente, não tem.
O depenado: Paulo Cafôfo
Se estas foram as eleições mais difíceis para o PSD, certamente e pelas mesmas razões, adivinhavam-se as mais fáceis para o Partido Socialista. Não só pelas maleitas que afligiam os sociais-democratas, mas também por todos os trunfos que guardavam os socialistas. A anunciada união do partido, materializada na inclusão de Emanuel Câmara e Ricardo Franco na lista de deputados. A expetativa, que essa inclusão gerava, de ganhos eleitorais significativos em Machico e no Porto Moniz. E a repetição do cabeça de lista – Paulo Cafôfo – que, em 2019, obteve o melhor resultado de sempre em eleições pelo PS na Região. Por tudo isto, nenhum socialista imaginaria ver Paulo Cafôfo, no final da noite eleitoral, gabar-se de ter igualado o número de deputados conquistados por Sérgio Gonçalves em 2023. É muito pouco para quem, em 2019, ficou a dois deputados do PSD. Pior mesmo, só o aberrante exercício de aritmética que se seguiu. Com menos 20 mil votos que o PSD e assente numa maioria parlamentar imaginária, Cafôfo propôs-se a formar um governo de estabilidade. A proposta é tão absurda que nem o próprio a soube explicar, acabando por abandonar, de forma apressada, o púlpito. Por mais ridícula que seja, a ideia desesperada de Cafôfo diz muito sobre a sua circunstância e a do seu partido. O PS tornou-se numa aglomeração de suplicantes, apostado em mendigar acordos com partidos que, ainda antes das eleições, acusava de serem iguais ao PSD. Já Paulo Cafôfo sai politicamente depenado desta noite eleitoral, muito longe do seu melhor resultado eleitoral, com o JPP à perna e com o futuro como líder do PS dependente da resposta a uma pergunta. Cafôfo será deputado na Madeira ou continuará a defender a “causa de uma vida” no conforto da República?