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'Fake news' podem ser denunciadas para WhatsApp da CNE

Foto Gabriel Ramos / Shutterstock.com
Foto Gabriel Ramos / Shutterstock.com

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) tem um número de WhatsApp para os cidadãos denunciarem casos de "desinformação ou publicidade indevida" durante a campanha eleitoral para as europeias de 9 de Junho.

O número deste serviço é o 924.315.697 e, segundo o porta-voz da CNE, o ex-deputado Fernando Anastácio, já foram recebidas algumas queixas que estão em análise.

Essas queixas "estão a ser triadas, são analisadas e depois verifica-se se há matéria para um trabalho mais profundo ou não" e "caso se justifique a própria MediaLab fazer um relatório específico", explicou à Lusa Fernando Anastácio.

Este trabalho de análise está previsto no acordo entre a CNE, o MediaLab, um instituto de estudo de ciências da comunicação integrado no ISCTE, com o objetivo de detetar e prevenir eventuais notícias falsas até ao dia das eleições.

Gustavo Cardoso, coordenador do MediaLab, destacou a importância, para os investigadores, destes dados do WhatsApp, "uma rede social diferente, fechada" porque "a informação é encriptada, é partilhada apenas entre as pessoas que a pretendem", e tem estado fora do alcance de quem estuda o fenómeno.

Na Índia e no Brasil, exemplificou, o WhatsApp "é um veículo grande de desinformação".

Cerca de 373 milhões de eleitores europeus são chamados a votar para o Parlamento Europeu entre 06 e 09 de junho. Em Portugal, votação é no dia 09.

Serão escolhidos 720 eurodeputados, 21 dos quais portugueses.

Desinformação em Portugal começa a alinhar pela "bitola" da imigração

A desinformação e o discurso contra os imigrantes, que dominaram o debate em eleições na Europa, "ameaçam" chegar à campanha das eleições de 9 de Junho, alertam os investigadores do MediaLab/ISCTE, Gustavo Cardoso e José Moreno.

"Os nossos produtores de informação estão a alinhar pela bitola europeia, onde a corrupção é um tema menor, apesar de estar presente", quando comparado com outros e, neste momento, o tema principal "é a imigração", afirmou Gustavo Cardoso.

Na entrevista à agência Lusa sobre o projeto do MediaLab com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) para o período da campanha das europeias e a que a Lusa se associou, com o objetivo de detetar e prevenir eventuais notícias falsas até ao dia da votação, Gustavo Cardoso admite ser "uma infelicidade que assim seja".

E tanto Cardoso como José Moreno, outro investigador do ISCTE, que estudam o fenómeno da desinformação em Portugal há vários anos, detetam mudanças: até agora, um dos temas prevalecentes em Portugal era a corrupção dos políticos, independentemente do partido a que pertencem.

"Estamos numas eleições verdadeiramente europeias se aceitarmos que esta é a primeira vez que estamos a falar a sério de desinformação sobre questões que têm a ver com imigrantes e, mais do que isso, a relação da imigração e o mundo muçulmano, o mundo do Islão", afirmou ainda.

Agora, Portugal está "a alinhar com as narrativas desinformativas europeias", o que também é explicado com a agenda política e mediática das últimas semanas e meses.

"Nestas eleições, fruto também daquilo que foi a agenda noticiosa - porque estas coisas andam sempre a par - centrada nas questões da imigração, vimos lentamente o surgir da ideia deste discurso, do Islão e da imigração como um problema", anotou José Moreno.

A agressão de imigrantes no Porto, no início de maio, "não são acontecimentos políticos, mas tiveram depois uma repercussão em notícia e o comentário de políticos", como aconteceu com o líder do Chega, André Ventura, num encontro do Vox, em Espanha, há uma semana, segundo Gustavo Cardoso.

A explicação destas dinâmicas é dada pelo coordenador do MediaLab: "Quando as notícias verdadeiras e os atores políticos versam sobre um determinado tema isso cria uma maior propensão para a desinformação sobre esse tema crescer. Isso é óbvio por que as pessoas estão mais atentas, há mais possibilidade de ser partilhada."

Por outras palavras, a "desinformação procura sempre viajar às costas de alguma coisa que esteja a acontecer" e como "vive da partilha" nas redes sociais, então "as coisas tendem a explodir".

O acordo com a CNE prevê um relatório semanal da MediaLab sobre a desinformação em campanha até às eleições para o Parlamento Europeu, em 9 de junho.

No seu primeiro relatório, em que identifica as principais narrativas desinformativas na União Europeia em abril e maio, o MediaLab recorda que as instituições europeias "estão preocupadas com o impacto da desinformação nas eleições".

Vera Jourova, vice-presidente da Comissão Europeia, já disse esperar uma "avalanche de desinformação" e Ursula von der Leyen, presidente da comissão, afirmou ser necessário fazer do combate às interferências externas através da desinformação o principal tema da sua recandidatura ao cargo.

Desafio aos partidos para fazerem um 'código ético' sobre desinformação

Gustavo Cardoso considera que os partidos políticos deviam fazer uma espécie de "código ético" sobre a desinformação, para prevenir a sua difusão pelos seus militantes em período eleitoral.

"É um pouco a mesma coisa quando houve a crise [financeira] do Lehman Brothers [2008], em que houve a assunção de um código ético por parte dos gestores sobre práticas empresariais que não deviam ser praticadas", diz o investigador.

Explica que este "código ético" podia ser um "convite da sociedade portuguesa aos partidos" para que estes "fizessem a pedagogia da não utilização de desinformação nas suas práticas perante os seus próprios militantes e os seus simpatizantes".

O professor vinca que este é apenas "um repto para a discussão", mas está convencido que em Portugal é preciso que haja esta "transversalidade" e que ela "até seria uma boa forma de tentar combater a polarização, uma vez que teriam todos que assumir essa mesma responsabilização perante a sociedade".

Segundo o investigador, os partidos pequenos são menos vigilantes em relação a este tema, porque eventualmente têm mais a ganhar do que a perder, mas à medida que crescem preocupam-se mais com a dimensão desinformativa.

O que -- assinala - não quer dizer que os partidos não deem visibilidade à desinformação, mas fazem-no de maneira "mais conscienciosa": "estão a proteger-se melhor nesse campo e, portanto, tendem a não fazer uso disso, pelo menos de forma tão direta".

Para Gustavo Cardoso, o grande desafio para as democracias neste campo é que a desinformação não é feita na estrutura hierárquica dos partidos.

"Os partidos nunca tiveram controlo sobre os seus militantes e esperam que estes se comportem segundo aquilo que são as regras que eles acordam e que praticam, mas depois ninguém pode ter controlo sobre dezenas de milhares de pessoas nas suas práticas", afirma.

A prevenção da polarização é também sublinhada pelo investigador do MediaLab José Moreno, segundo o qual é este fenómeno nas redes sociais que depois desencadeia uma série de "comportamentos comunicativos" por parte dos militantes, que "amplificam umas coisas, ou mentem descaradamente sobre outras, ou manipulam imagens".

"Os partidos sempre tiveram militantes e os militantes sempre foram ativos na defesa dos ideários dos seus partidos", diz José Moreno, "a diferença agora é que todos os militantes têm acesso às redes para partilharem, comentarem, fazerem 'like' ou produzirem conteúdos" e, portanto, "se houver políticos que permanentemente estão a polarizar a situação e a acicatar os seus para atacar os outros, do outro lado", o que acontece é que haverá "uma polarização completa em que ninguém fala com ninguém, em que toda a gente se digladia com toda a gente, e toda a gente recorre a tudo o que pode para combater o outro".

Segundo o investigador, daqui resulta uma "maior responsabilização dos atores políticos", que devem perceber que tipo de discurso devem ter para não polarizar ainda mais a sociedade.

"Eu não sei se todos eles têm noção disto, se querem seguir este caminho, ou se lhes serve enquanto estratégia, mas é isto que resulta do ambiente geral em que em que vivemos atualmente em termos de redes sociais, e a polarização que alimenta este tipo de fenómenos", conclui.