Os nómadas digitais pagam impostos na Madeira?
Nos últimos anos, ser nómada digital tornou-se quase uma moda. Na Madeira, essa tendência também tem sido sentida e, sobretudo em 2020, em plena pandemia da covid-19, vários foram os esforços desenvolvidos por diferentes entidades públicas e privadas para preparar, criar e promover uma comunidade de nómadas digitais na Região.
Rapidamente a Madeira veio a tornar-se num destino apetecível para estes trabalhadores diferenciados que aliam a sua profissão ao gosto pelas viagens e por conhecer novas culturas. As suas condições únicas, como sejam a sua beleza natural, a segurança, a cultura, o clima e a facilidade no acesso à Internet, tornaram a Região numa referência para aqueles que percorrem o Mundo com o ‘trabalho às costas’.
Embora possam não ser vistos como tal, estes turistas pagam impostos directos na Madeira e em Portugal? Esta é a questão que muitos madeirenses se colocam, como é o caso de um dos leitores do DIÁRIO, que num comentário à notícia que dava conta das críticas de alguns nómadas digitais à enchente de turistas na zona do Rabaçal, vincado a condição dessas pessoas que cá trabalham e usufruem de todas as condições e estruturas locais, sem contribuírem com o pagamento de impostos. Mas será mesmo assim? É isso que aqui procuraremos validar.
É um facto que o número de cidadãos estrangeiros que escolhem a Madeira para passarem um período curto, enquanto trabalham remotamente, tem vindo a aumentar. A primeira comunidade do género instalada na Região surgiu na Ponta do Sol, mas hoje, cerca de quatro anos depois, existem comunidades deste género em vários outros pontos da Ilha, como seja no Funchal, em Santa Cruz, em Machico, em Santana, na Calheta ou no Porto Santo, entre outros, conforme se poderá constatar na página oficial do projecto ‘Digital Nomads Madeira Islands’.
Depois do impulso público, com a criação da referida comunidade no Centro Cultural John dos Passos, alguns empresários têm desenvolvido soluções adequadas a estas pessoas, um pouco por toda a Região. Após o início do projecto público, em Fevereiro de 2021, estima-se que mais de 10.000 nómadas digitais já tenham passado pela Madeira, contando o mesmo já com 17.300 registos, de 139 países diferentes.
Estes nómadas digitais são cidadãos estrangeiros, muitos deles provenientes do espaço fora da Europa e não Schengen, que aproveitam a facilidade tecnológica para desempenhar a sua profissão de maneira remota, sem dependerem de uma base fixa para o efeito, aliando a isso, um estilo de vida assente na liberdade geográfica. Viajam constantemente, permanecendo num determinado país ou região por um curto período, entre três a seis meses.
Na sua essência, são turistas que, por terem a facilidade de poderem trabalhar à distância, com recurso a um computador e ao uso da Internet, acabam por usufruir dos recursos e estruturas que a Madeira possui, contribuindo de forma directa para a economia local e regional.
Mas, perante este usufruto mais demorado, são várias as pessoas que se interrogam de estes turistas deveriam ou não pagar impostos directos, além dos impostos sobre o consumo que qualquer cidadão, residente ou não, paga.
“Os nómadas digitais são turistas. Com a agravante de cá trabalharem, usarem e abusarem da ilha, mas como ficam menos de 183 dias na ilha pagam impostos noutro sítio”, comentava um leitor do DIÁRIO, numa das notícias publicada nos últimos dias no dnoticias.pt.
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Carolina Rodrigues , 21 Maio 2024 - 15:09
Para sabermos um pouco mais de qual a realidade fiscal e contributiva dos nómadas digitais, o DIÁRIO falou com António Saramago, que colabora com a Dixcart, empresa de presta um leque variado de serviços, nomeadamente consultadoria no domínio fiscal e em questões de residência e cidadania a cidadãos estrangeiros.
Confrontado com a questão do pagamento de impostos pelos nómadas digitais que permanecem na Madeira (ou em Portugal) por um período de até 183 dias, o advogado garante que não estão obrigados a qualquer contributo pelos rendimentos obtidos.
Num cenário destes, estas pessoas estão apenas obrigadas, como qualquer cidadão, ao pagamento dos impostos sobre o consumo. “Aqui, a regra de ouro são os 183 dias”, realça o consultor, complementando que “hoje em dia qualquer pessoa trabalha num computador de qualquer lado, e está simplesmente a fazer turismo, podendo passar cá mais algum tempo e trabalhar durante esse tempo”.
“Se estiverem cá quatro ou cinco meses não são residentes fiscais em Portugal, não vão pagar impostos em Portugal sobre o rendimento. Pagam apenas todos os impostos de consumo, aos quais podem fugir”, sustenta a nossa fonte.
E dá um exemplo: “Imagine que a pessoa em questão vem para Portugal com um visto de turista, com um visto Schengen, com um visto normal. Esse visto é válido por 90 dias e legalmente é possível prorrogar por outros 90. Portanto, o máximo que pode permanecer cá são 180 dias. Logicamente, com um visto de turista não é suposto que alguém venha para Portugal para trabalhar, mas, de certa forma, isto acaba por poder acontecer, porque esta pessoa não está a transferir a sua actividade para Portugal”.
O caso muda de figura quando estamos perante cidadãos estrangeiros que passam a residir em Portugal por um período superior aos referidos 183 dias, com a devida autorização de residência. “Aí vai ter de pagar impostos sobre o rendimento”, aponta António Saramago, deixando de ser um verdadeiro nómada digital, assumindo o papel de trabalhador remoto.
Neste contexto, o advogado realça que a emissão da autorização da residência, também designado de ‘visto nómada digital’, depende da demonstração da existência de um vínculo ou relação laboral externa, noutro país, que tanto pode ser uma actividade profissional dependente ou independente.
“Ou seja, não é uma questão de ter um contrato de trabalho cá, mas sim ter um vínculo laboral no país de origem, que tanto pode ser um contrato de trabalho como trabalhador dependente ou ter uma actividade independente, com um ou vários contratos de prestação de serviços, que, somados, resultem num rendimento mínimo de, pelo menos, em média, nos últimos três meses, quatro vezes o salário mínimo português. Portanto, estamos a falar de pouco mais de 3.200, 820 euros vezes quatro”.
“Não é por serem nómadas digitais que têm, automaticamente, algum tipo de benefício fiscal”, destaca o advogado, notando que “sendo nómadas digitais e tendo uma autorização de residência em Portugal têm de cumprir mínimos de permanência, tornando-se, assim, residentes fiscais”, condição que os obriga a terem de submeter, anualmente, as respectivas declarações fiscais (IRS) como qualquer cidadão português, pagando impostos sobre o rendimento obtido.
Os mínimos de permanência, com excepção para os chamados ‘Visto Gold’, são de 16 meses em 24. Estas autorizações são válidas por dois anos, devendo respeitar uma combinação de duas regras: não podem estar fora mais do que seis meses consecutivos e não podem estar fora mais do que oito meses interpolados ao longo desses 24 meses.
“Cumprindo estes requisitos de permanência, estas pessoas passam, em Portugal, e neste caso particular, na Madeira, mais do que 183 dias por ano, que é o que importa para serem residentes fiscais”, realça António Saramago.
Portanto, “ser nómada digital não é simplesmente vir para cá e trabalhar com o computador cá. Não. Tem de efectivamente comprovar que existem ou contratos de prestação de serviços ou um contrato de trabalho, qualquer coisa que comprove uma relação laboral noutro país”, reforça.
Confrontado com as vantagens fiscais aplicadas a estes trabalhadores remotos, o consultor que colabora com a Dixcart assegura que a maior parte das pessoas que beneficiam deste tipo de autorização de residência não cumprem com os requisitos do novo regime dos residentes não habituais, em vigor deste o ano passado, e os respectivos benefícios fiscais.
“O novo programa é muito restrito e é para profissões de alta qualificação. Geralmente, pela experiência que temos, os clientes nómadas digitais que temos não se qualificariam, e eu diria que a maioria não se qualificará, para esse tipo de incentivos fiscais”, nota António Saramago, realçando que, “de certa forma, o programa sempre foi restrito, tornando-se ainda mais neste novo modelo”.
O advogado esclarece, ainda, que os cidadãos da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu não precisam deste tipo de autorização de residência para residirem em Portugal. “Basta virem para Portugal e registarem-se no município onde vão viver”, adianta.