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Fact Check Madeira

Haverá mais criminalidade nos bairros sociais do que noutras áreas?

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No dia 20 de Maio, foi notícia que um homem havia sido agredido no Bairro da Palmeira, em Câmara de Lobos. Essa notícia mereceu apenas um comentário no Facebook do DIÁRIO – ‘bairros…’, mas foi no mesmo sentido de outros registados quando o conteúdo informativo incide em bairros sociais.

Tal como em outras ocasiões, ficou no ar a ideia de que os bairros sociais, como o da Palmeira, são espaços onde se deve de esperar haver níveis de criminalidade acrescidos. Mas essa ideia corresponderá à realidade?

Para tentarmos perceber se existem mais crimes em bairros sociais do que nos restantes espaços, em especial os urbanos, começámos por pesquisar estudos com estatísticas obre a criminalidade em tais complexos habitacionais, mas não fomos bem-sucedidos. A falta de tais estudos poderá ser explicada com a necessidade de não estigmatizar quem vive em bairros sociais.

Perante esta dificuldade, pesquisámos estudos científicos, de preferência académicos, que abordassem a temática da violência associada a bairros sociais. Não encontrámos nenhum específico, que nos providenciasse dados estatísticos, mas alguns deles foram úteis.

O estudo ‘Exclusão social e violências quotidianas em ‘bairros degradados’: etnografia das drogas numa periferia urbana’ de Luís Fernandes e Alexandra Ramos, publicado na revista Toxicodependências (Vol. 16, N.º2, 2010) faz, nas conclusões, uma síntese do que podem ser as causas da violência em bairros desfavorecidos.

“A violência estrutural, de acordo com Philippe Bourgois (2001, The power of violence in War and Peace: Post- ‑Cold War lessons from El Salvador. San Francisco: Sage Publications), diz respeito à forma como a organização político‑económica de uma sociedade se traduz na produção de desigualdades e opressões sociais crónicas, da pobreza à saúde, passando pelos direitos humanos e conduzindo, na maioria das vezes, a situações de sofrimento social. Acrescentemos que são, não raro, as próprias instâncias estatais a concorrer para a produção deste tipo de violência, seja por omissão, seja por acção directa (…). Exprime-se também no modo como situações de desvantagem se fixam com muito maior impacto em certas zonas e franjas da população, como a desinserção crónica em relação ao mercado formal de trabalho, o abandono escolar ou as novas formas de pobreza.”

“A violência quotidiana diz respeito às práticas e expressões de violência ao nível das interacções micro. De acordo com Bourgois (2001), a quotidianidade de tais práticas e expressões acaba por normalizar a violência ao nível das relações interpessoais, criando-se um ethos local de cultura de violência (…)”.

Outro documento que ajuda a compreender os fenómenos de violência nos bairros é o RASI – Relatório Anual de Segurança Interna, neste caso, de 2022.

No documento a criminalidade em bairros aparece associada aos fenómenos grupais e não ao facto de se tratar de um bairro, só por si. “Nuna primeira fase, a criminalidade grupal estava mais limitada à sua zona de influência e teria como principal actividade a economia informal e ilícita, principalmente no âmbito de estupefacientes e crimes contra o património, e as relações de conflitualidade surgiam pelas rivalidades históricas entre bairros, meio escolar, motivos passionais ou fúteis”.

Como nos lembra um estudo da Caritas Portuguesa, publicado neste mês com a coordenação de José Ramos Pires Manso, ‘Habitação social na EU e em Portugal: situação actual e desafios futuros’, “a habitação de interesse social existe para pessoas em situação de pobreza, de precariedade, de insalubridade, de insegurança, incluindo vítimas de violência doméstica e em regime de insolvência pessoal e familiar. A habitação social pretende melhorar a qualidade de vida dessas famílias, através do acesso a um lar seguro e digno”.

Por tudo o que aqui já foi dito, é legítimo admitir que se não houver um olhar especial aos bairros sociais, eles podem registar níveis elevados de criminalidade ou apenas essa percepção, mesmo que não real, fruto de políticas públicas adequadas.

Aqui chegados, fizemos um exercício que serve apenas de indicador e não como uma certeza, apesar de ter um elevado grau de correcção.

Pesquisámos nas edições impressas do DIÁRIO, nos últimos 20 anos, páginas com as palavras ‘agressão’ e ‘bairro’. Depois fizemos o mesmo mas apenas para a palavra ‘agressão’. Vejamos os três primeiros resultados de uma e outra pesquisa.

Para as palavras ‘agressão’ e ‘bairro’, a primeira notícia apresentada tem data de 25 de Dezembro de 2020 e o título ‘Esfaqueamento na Nogueira vale 5 anos na prisão’. A segunda foi publicada no dia 29 de Dezembro de 2017 com o título ‘Pai agride filho com garrafa nas Malvinas’. A terceira foi publicada no dia 27 de Outubro de 2009 com o título ‘Estado de sítio’ e era sobre o Bairro da Nogueira.

Para a palavra ‘agressão’ sozinha, o primeiro resultado foi de um texto publicado no dia 19 de Janeiro de 2020 e explicava os vários significados exactamente da palavra ‘agressão’. O segundo resultado foi para uma notícia publicada no dia 10 de Novembro de 2010 com o título ‘Pereia admite ter agarrado jornalista’. O terceiro resultado foi de um texto muito recente, mais precisamente da edição de ontem, dia 21 de Maio, com o título ‘É a primeira vez que um dirigente é acusado de agressão?’.

O levantamento permite verificar que a utilização das palavras ‘agressão’ e ‘bairro’ em conjunto corresponde a menos de 10% das vezes em que a palavra ‘agressão’ é usada sem ser acompanhada da palavra ‘bairro’.

Este levantamento indicia que não há mais crimes, no caso específico, agressões, nos bairros do que nas restantes áreas habitacionais da Madeira.

No entanto, estamos apenas perante indícios, sem certezas e sem estudos científicos que nos apontem num ou noutro sentido. Por isso, consideramos a afirmação do leitor e os demais, no mesmo sentido, feitos noutras ocasiões, como imprecisos.

“Bairros… (locais onde se espera haver mais criminalidade do que noutros locais)” - Leitor do DIÁRIO em comentário no Facebook