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Fact Check Madeira

Será que as festas do Desporto Escolar e as que eram organizadas pela Mocidade Portuguesa no Funchal têm semelhanças?

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Na última sexta-feira, dia 17 de Maio, aconteceu mais uma abertura da festa do Desporto Escolar. Foi o 31º evento, mas são mantidas algumas das características originais. Aliás, neste ano, o evento voltou ‘a casa’, o Estádio dos Barreiros.

No mesmo dia à noite, o DIÁRIO noticiou na sua edição on-line, que o presidente do Governo Regional havia sido apupado no evento. Nessa notícia, um dos leitores deixou um comentário, em que eram comparadas a festa do Desporto Escolar e as que eram organizadas pela Mocidade Portuguesa no campo do Liceu de Jaime Moniz, no Funchal.

Terá razão o leitor ao fazer essa comparação, existirão semelhanças entre os dois eventos?

A análise à veridicidade da afirmação implicou tentar perceber o que era feito, onde, com quem e com que objectivos, durante o Estado Novo e, depois disso, verificar o que acontece com o Desporto escolar.

Para enquadrarmos a visão do Estado Novo sobre a importância do desporto, muitas vezes, resumida como Educação Física, socorremos-mos de um trabalho de Francisco Luís Gomes, publicado no dia 26 de Abril de 2024 em sapo.pt.

“Foram criados dois organismos para potenciar o desporto e tempos livres como factores de distração e controlo da população: a Mocidade Portuguesa e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). A primeira, criada em 1936, foi um dos instrumentos de reforma da educação promovidos pelo Estado Novo, e que pretendia endoutrinar as crianças portuguesas dentro da lógica do regime vigente, através da actividade física, ao mesmo tempo que fomentava a disciplina e respeito às hierarquias.”

O desporto no Estado Novo, como em regimes fascistas, servia para doutrinar, incutir a disciplina e obediência, mas também promover o culto do corpo saudável. A Mocidade Portuguesa desenvolvia muitas actividades desportivas, para rapazes e raparigas, que passavam pela organização de campeonatos de futebol, atletismo, ginástica e educação física nas escolas. É neste aspecto que se chega ao Funchal e à Festa da Educação Física no ‘campo de jogos do Liceu do Funchal’.

Pesquisámos apenas notícias divulgadas nos anos 60 e encontrámos várias de festas da Educação Física. Eram realizadas em Maio, com o ano lectivo a aproximar-se do fim (Centros de Actividades de Instrução Geral). As personalidades civis e militares marcavam presença na abertura e a comunidade era convidada a participar, em especial os familiares dos participantes. Em grande parte das vezes, começavam, pelas 21 horas, mas também havia actividades durante o dia.

Além da questão da Educação Física, propriamente dita e como era entendida à época, também havia temas em cada ano. Vejamos três: em 1960, a Festa homenageou o Infante D. Henrique; em 1961, o evento foi integrado na Comemoração do 28 de Maio (Revolução que determinou o fim da Primeira República, o início da Segunda e abriu caminho ao Estado Novo); 1965, Povo Português e D. Nuno Álvares Pereira. Como facilmente se constata, temas nacionalistas, de exaltação da história portuguesa.

Vejamos, nos aspectos em apreço, o que tem acontecido com a Festa do Desporto Escolar.

Fizemos um levantamento dos temas que, a cada um dos últimos 20 anos, orientaram a Festa. Comecemos por 2024: ‘Voz dos Tempos’, que incluiu vários actos: História da humanidade; Actos notáveis e Avós na linha do tempo.

Nos anos 2021, 2019, 2008 e 2006 foram temas de exaltação histórica, respectivamente: ‘Madeira um novo horizonte’, ‘600 Anos da Descoberta da Madeira’, ‘Funchal 500 anos’, ‘Na onda do tempo há ir e voltar’ (sobre a ‘saga de madeirenses’ na emigração).

Em 2017, foram evocados ‘Os sonhos de Zarco’ e, em 2007, a figura de ‘Maximiano de Sousa’ – Max.

Também ao longo dos anos, foram escolhidos temas muito ao estilo do Estado Novo: 2002 – ‘Celebrar a Vida, Homenagear o Professor’ (muito na linha do ‘magister dixit’) e, 2014 – ‘A Família – Família precisa-se’.

Contaram-se, igualmente, temas de galvanização colectiva e de enlevação do povo e cultura madeirenses: 2018 – ‘Laços – património cultural. Consciência; Civilização; Valores’; 2016 – ‘RAM somos MARavILHAS, 40 Anos de Autonomia’; 2012 – ‘Na Europa o Segredo das Ilhas’; 2005 – ‘Entre céu e mar, nós’.

Também se observaram temas como: 2023 – ‘Os dias que contam’ (evocando a paz e o ambiente); 2015 – ‘O nosso Mundo, a nossa dignidade, o nosso futuro’; 2013 – ‘Aprender com a água’; 2011 – ‘Rumo a uma família maior’; 2010 – ‘Biodiversidade’.

Fora dos 20 anos em análise merece uma referência o tema de 2022 – ‘Droga’, ou o seu combate.

Outra análise que fizemos foi a comparação de algumas imagens da Festa da Educação Física no campo de jogos do Liceu, com imagens de aberturas do Desporto Escolar. Desde logo, houve uma dificuldade devido ao número reduzido de imagens sobre as festas organizadas pela Mocidade Portuguesa, quando comparadas com o elevado número das obtidas do Desporto Escolar. Por isso, escolhemos duas da Festa da Educação Física (em depósito do ABM) e duas do Desporto escolar, uma mais recente, outra mais antiga, da autoria da ASPRESS. Não se pode dizer que as imagens sejam iguais, mas existem algumas semelhanças.

Assim e com a ressalva de que este trabalho não pretendeu avaliar se o Desporto Escolar e as suas festas estão bem estruturados, que benefícios, aspectos negativos, positivos ou outros apresentam, apenas se existem características que os tornem comparáveis e façam lembrar as festas da Educação Física da Mocidade Portuguesa, se conclui que sim. A abertura do Desporto Escolar faz lembrar as actuações da Mocidade Portuguesa no ‘campo de jogos do Liceu’, ao que se juntam as temáticas escolhidas ao longo dos anos, de características nacionalistas, sendo, por tudo o que foi dito, verdadeira a afirmação do leitor.

“A abertura do Desporto Escolar faz lembrar as actuações da Mocidade Portuguesa no Liceu com as meninas ginastas de branco e os rapazes que mais pareciam soldadinhos quebra-nozes.” – Nélio Carvalho – on-line do DIÁRIO