Bordalo II é uma excepção por vender obras de arte por ajuste directo?
A inauguração da obra de arte/mural da autoria de Bordalo II, em Santana, alusiva à Freira da Madeira, que se realizou, ontem, em Santana, deu origem a cerca de uma centena de comentários nas redes sociais do DIÁRIO.
Essas participações dos leitores tiveram essencialmente dois alvos: Governo Regional e o artista. Sobre o Governo regional, foram apontadas incoerências políticas, nomeadamente por viabilizar o teleférico do Curral das Freiras e aproveitamento eleitoral, pelo momento escolhido para a apresentação da obra de arte. No que respeita a Bordalo II, foram feitas acusações de ser um artista que gosta muito de ajustes directos e de saber fazer o seu caminho para mais vendas.
A análise que nos propomos realizar vai incidir neste último aspecto. Será o artista Bordalo II uma excepção, no que diz respeito à contratação pública, nomeadamente quando está em causa a aquisição de obras de arte?
Antes de entrarmos a fundo no tema objecto da análise, cumpre fazer um esclarecimento sobre a questão paralela, ligada ao momento da apresentação do mural, em Santana.
A obra foi encomendada em Dezembro de 2023, pela Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, tendo sido uma das candidaturas vencedoras do Orçamento Participativo da RAM (OPRAM). O contrato foi celebrado no dia 21 e no dia 22 foi publicitado na base oficial da contratação pública.
O preço contratual é 28.300 euros e tem um prazo de execução de 152 dias, que correspondem a cinco meses. Aliás, a cláusula 3.ª do contrato prevê a “conclusão da produção até ao final do mês de Março de 2024” e a “conclusão da montagem e entrega até ao final do mês de Maio de 2024”.
Tudo isto foi definido numa altura em que não se perspectiva eleições regionais em Maio de 2024. Por isso, a haver aproveitamento eleitoral, terá sido apenas no dia escolhido para a apresentação da obra e não na definição dos prazos de entrega.
Indo, agora, à questão central. Será Bordalo II uma excepção no recurso ao ajuste directo?
As aquisições a Bordalo II (Artur Manuel Correia Bordalo da Silva) são feitas através da empresa Mundofrenético, Lda, que, actualmente, é detida pelo artista e por Helena Maria Silva Correia (esta com uma posição minoritária).
Com recurso à informação oficial da base da contratação pública, constata-se que, de 3 de Abril de 2018 até ao dia de hoje, foram publicados 30 contratos, de várias entidades com a Mundofrenético. Os 30 contratos têm um preço contratual global de 800.562 euros. Foram todos por ajuste directo regime geral.
No entanto, é necessário considerar que é isso mesmo que acontece praticamente com a totalidade das aquisições a artistas, das suas obras de arte e prestações de serviço. Aliás, basta atentar às razões que as entidades adquirentes, em maior número, usam para justificar o recurso ao ajuste directo: Artigo 24.º, n.º 1, alínea e), subalínea i) do Código dos Contratos Públicos: “Escolha do ajuste direto para a formação de quaisquer contratos. 1 - Qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adotar-se o ajuste directo quando: (…) e) As prestações que constituem o objecto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade por uma das seguintes razões: i) O objecto do procedimento seja a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico.”
Como é óbvio, só se pode adquirir uma obra de um artista a esse mesmo artista ou a quem a detém. O mesmo acontece noutras áreas. Vejamos apenas um exemplo. Se apenas um laboratório farmacêutico tem determinado medicamento, ele será comprado por ajuste directo, independentemente do valor.
Pelo referido, já fica claro que Bordalo II não é excepção, no que diz respeito a aquisições/vendas por ajuste directo. Mas quisemos aprofundar a análise.
Os contratos públicos têm sempre um vocabulário comum. No caso das vendas de Bordalo II, são usados vários: ‘Obras de arte’ e ‘Serviços relacionados com arte’, entre outros. Considerámos apenas o mais expressivo – ‘Obras de Arte’, que congrega 12 contratos pelo valor global 313.710 euros.
Pesquisámos na base oficial da contratação pública contratos com esse vocabulário comum (92311000-4 – Obras de Arte). Localizámos 733 contratos, com o valor global de 28 milhões de euros, contratualizados com 535 adjudicatários. Desses 733 contratos, 725 foram por ajuste directo regime geral e apenas 8 não o foram. Estes 8 com um preço contratual de 119 mil euros.
Tentámos ver os maiores adjudicatários, em termos de valor. A Mundofrenético surge em 12º lugar, entre 535 adjudicatários, com os já referidos 313,7 mil euros mil euros (apena vocabulário comum ‘Obras de arte’). Em número de contratos ocupa o 2.º lugar com 12 contratos. O primeiro lugar foi 13 contratos, por 226,7 mil euros, com a Galeria Quadrado Azul.
Assim, é inequívoco que Bordalo II não é alvo de qualquer tratamento de favor, no que diz respeito aos procedimentos adoptados quando é contratado para realizar as obras de arte e prestar serviços nessa área. Assim, são falsas as afirmações que apontam em sentido contrário.
Uma nota final para lembrar que, na Madeira, existem outros dois trabalhos de Bordalo II, os dois datados de 2019: um é um lobo-marinho, em Câmara de Lobos, à entrada do Cais, e outro é um Mero, na praça CR7, no Funchal.
Bordalo II tem obras um pouco por todo o Mundo