DNOTICIAS.PT
Artigos

Maio e Abril…

Uma pessoa só se lembra do agradável que é respirar pelo nariz quando o tem obstruído!

Foi Abril que trouxe Maio mas foi em Maio que Abril se fez!

Aquela semana em 1974 entre os dias da sublevação e o Primeiro de Maio, até então reprimido, foram dias de chegada de muitos que tinham sido obrigados a “emigrar” do País só porque defendiam uma forma diferente de governar um país pobre, subdesenvolvido, atrasado na educação, na saúde, mas dito “forte” na esfera militar, tão “forte” que enviava os seus jovens para uma guerra perdida desde o início, dando condições diferentes aos que pertenciam à carreira militar em relação aos que tinham de dar dois anos da sua vida (dar é o termo certo) a um estado que em nada os favorecia, mas que por necessitar deles para a sua política, diferenciou-os dos outros, originando descontentamento interno que levou a duas sublevações quase consecutivas, a última com o sucesso conhecido e que com o apoio popular rapidamente se transformou numa revolução que se diferenciou das outras revoluções pela forma pacífica como se desenrolou.

Foi uma semana de grandes manifestações de apoio ao Movimento que derrubou um regime caduco, mas faltava uma manifestação de uníssono popular, de alvíssaras de um povo querendo mudança!

E deu-se o Primeiro de Maio de 1974! Uma enorme manifestação de apoio congregou centenas de milhares de pessoas nas ruas de Lisboa e em muitas outras cidades do País que finalmente sentia que a Liberdade estava ali para ficar!

Naqueles dias foi esquecida a regra fundamental da Liberdade:

a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.

Naqueles dias as liberdades de cada um mesclavam-se com as liberdades dos outros, naqueles dias houve atropelos às liberdades mas a festa era tanta que ultrapassava todas as vontades individuais. Foram tempos de entrega a ideais até então reprimidos e por isso mesmo, apetecidos.

Foi em Maio que se fez Abril.

Até Maio estávamos habituados a respirar pela boca, um respirar difícil, por vezes ofegante pela pressão que era imposta pelas autoridades de então, mas em Maio, desobstruiu-se o nariz e o respirar tornou-se leve e agradável.

Uma pessoa só se lembra do agradável que é respirar pelo nariz quando o tem obstruído!

Em Maio, o efeito desobstrutivo de Abril fez-se sentir em toda a sua plenitude levando aos excessos então vividos, prontamente desculpados.

Em Maio, com a desobstrução permitida por Abril, respirar pelo nariz passou a ser um acto normal, sem esforço, como o repouso após uma corrida de 100 metros.

E foi em Maio, com a mudança trazida por Abril, que a liberdade plena que foi vivida nos últimos dias do mês de Abril começou a ser entendida de uma forma também diferente em relação àquela que os primeiros dias da mudança fizeram soltar.

A liberdade só é plena para cada um se houver respeito pela liberdade de todos os que o rodeiam.

Então, uns quiseram ser os arautos e mandatários da causa da liberdade impondo as suas regras à causa da liberdade dos outros, quase que dizendo – “muito bem, podes ter toda a liberdade que quiseres, mas terá de ser de acordo com a minha ideia de liberdade”, e foi assim que a mudança trazida pela sublevação de Abril em pouco tempo quase se transformou numa outra forma de liberdade imposta por uns sobre muitos, quase igual ao que o País tinha vivido nas cinco décadas anteriores.

Tudo isso passou e a ideia liberdade consolidou-se!

Mas se se consolidou a ideia, consolidou-se mais a ideia do que a prática já que muitos dos que tanto apregoavam a ideia faziam-no de forma a que todos os que não comungavam as mesmas formas de olhar e sentir o mundo fossem sendo considerados como retrógrados, condicionando assim a liberdade do próximo em favor da sua própria, em todas as áreas da vivência humana até à livre escolha de uma identidade diferente daquela que a natureza da vida nos deu.

Assim chegamos a este mundo actual, em Maio a tentar sempre fazer cumprir o que Abril trouxe, mas com uma sensação de que afinal, tal como tinha sido no passado antes de Abril, alguns, poucos, determinavam que os muitos que os rodeavam não tinham direito a uma liberdade plena. Afinal a História é pródiga em exemplos de que não são necessários muitos para obstruir o nariz a todos quantos não partilham as ideias de vivência em liberdade, muitas vezes limitando através do insulto fácil quem se “atreve” a discordar mesmo que com argumentos que com uma dialética livre possam servir para uma melhor partilha de conhecimentos.

Cada vez mais há actualmente uma sensação, generalizada não só no nosso pequeno mundo mas também no grande Mundo em que globalmente vivemos, de que há muitos pequenos grupos de poeiras a irritarem as mucosas do grande nariz da humanidade, obstruindo-o e dificultando o fluir fácil da nossa respiração comum, deixando no ar uma esperança que haja um Maio após um Abril libertador, porque, de facto:

só nos lembramos do agradável que é respirar pelo nariz quando o temos obstruído!

P.S. - daqui a pouco mais de uma semana vamos a eleições cá nesta terrinha que Deus nos deu, e por isso tenho um pedido a fazer:

O “pouco” que peço e que acho que podemos colectivamente exigir aos diversos chefes partidários é que, sendo candidatos às cadeiras do poder, tenham respeito pelo povo a quem juram paixão eterna e que saibam que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos que, como dizia Montaigne:

“Sobre o mais belo trono nunca se sentou senão um rabo”.