Herdámos a liberdade e a democracia, e agora?

Eu faço parte das gerações que nasceram em liberdade.

Tenho muito orgulho da nossa revolução pacífica do 25 de Abril que abriu caminho à liberdade, democracia e igualdade. Muita gratidão e respeito pelos Capitães de Abril e por todos os que contribuíram para que esta tremenda transformação fosse bem sucedida.

Viver sem liberdade ou democracia seria terrível mas a democracia é muito frágil. Depende muito da qualidade da educação, do jornalismo praticado e dos órgãos mediáticos, que têm um poder tremendo para influenciar a opinião pública – este poder não deve ser subestimado: conseguem criar estereótipos e influenciar as atitudes, os comportamentos e valores das pessoas.

Recentemente o governo de maioria estável do Partido Socialista, eleito por via democrática, caiu. Suspeitas insubstanciadas sobre o Primeiro Ministro foram propagadas com grande avidez por todos os media e bloggers atrás de clicks e “views”, incluindo a nível internacional. Os Portugueses, habituados ao estereótipo de que todos os políticos são corruptos, foram rápidos a presumir e aceitar a culpa do suspeito. Saímos deste episódio com um governo minoritário enfraquecido e com um “boom” da direita / extrema direita. Portugal caiu numa armadilha.

Quem ganhou com isto? Não foi o povo Português. O mais óbvio vencedor, ou beneficiado, foi um partido que soube escolher um nome que capitaliza no estereótipo de que os políticos que estão no poder são corruptos – Chega! Quem pensava que podia ganhar com isto? Provavelmente todos os que estavam na oposição. Quem orquestrou tudo isto? Isso agora... não vamos entrar em especulações, mas seria interessante saber.

Mais importante do que perceber este episódio triste é acabar com o estigma da política. Para continuar a assegurar os serviços e infra-estruturas básicos e necessários para os cidadãos, hoje e no futuro, e assegurar uma economia próspera que nos permite melhorar a nossa qualidade de vida, Portugal precisa de visão estratégica e de planos e medidas adequadas para os concretizar – por outras palavras, necessitamos de políticos. Mais do que isso, necessitamos de políticos competentes e sérios – a dignidade da profissão tem que ser reconhecida e elevada, não deve ser a solução para os que não conseguem “arranjar” melhor. Não tenho qualquer afiliação partidária mas tenho que dizer isto: sem partidos políticos não há democracia. Necessitamos de partidos políticos.

Fundamental é também melhorar a qualidade das “notícias” transmitidas pelos media. É necessário deixar de andar constantemente atrás do “diz que disse” e fazer jornalismo de qualidade. É necessário que os órgãos de comunicação social compreendam quais são os factores decisivos que afectam a qualidade de vida das pessoas agora e nas próximas décadas. Como? Simples, têm que trabalhar com cientistas, engenheiros, economistas, juristas, etc. ou seja, têm que trabalhar com pessoas qualificadas e informadas, para se poderem debruçar sobre as questões que são realmente importantes e decisivas para o futuro do país. Para produzir notícias e reportagens esclarecidas e esclarecedoras, em vez da aposta constante em tirar partido de gerar confusão e divisão. Os órgãos de comunicação social devem assumir uma atitude responsável, dado o grande poder de que dispõem.

Então e nós, cidadãos? Não nos podemos esquecer da nossa responsabilidade individual para agir e defender os nossos valores e direitos. Nas próximas eleições, e em todas as futuras eleições, vota! Não deixes os outros escolherem por ti. Mas vota conscientemente, informa-te. Não votes num partido só por causa do nome, isso é muito perigoso! Queres saber o que um candidato ou partido realmente defende? Lê o programa eleitoral que prepararam para as eleições. Vais ver que alguns programas são muito claros e práticos, outros parece que estão escritos em “latim” com um blablablá ideológico desligado da realidade do cidadão comum. Enfim, há programas para todos os gostos. Muitos deles têm ideias com muito valor, mesmo vindo de partidos muito pequenos. A pluralidade de contributos válidos é uma força, uma riqueza. No fundo, há mais a unir-nos do que a dividir-nos, algo que me parece bastante positivo... e um bom momento para terminar esta carta. Obrigada pela atenção!

Viva a liberdade, vida a democracia, viva Portugal!

Ana Marques Leandro