Estará o peixe mais caro porque se pesca menos?
Quem tem por hábito ir às compras, nomeadamente para comprar peixe fresco, pescado na Madeira, essencialmente atum e peixe-espada preto (embora haja outras espécies menos representativas), terá percebido que está caro, muito mais caro do que era usual. Nos primeiros 3 meses de 2024 atingiu-se o valor mais alto de peixe descarregado nas lotas da Madeira, resultando em vendas superiores a 4,5 milhões de euros.
Os números não enganam: os armadores, por consequência e em princípio, os pescadores estão a retirar mais rendimentos da pesca. Mas até que ponto estas vendas são justas para os consumidores finais, que ainda terão de absorver os preços praticados pelos revendedores, sejam eles no peixe fresco na peixaria, seja no restaurante?
De acordo com os dados mais recentes divulgados pela Direção Regional de Estatística da Madeira, com base em informação recolhida junto da Direção Regional de Pescas, no 1.º trimestre de 2024, há "um aumento homólogo nas quantidades capturadas de pescado (+3,0%) e no valor de primeira venda (+8,5%)", ou seja quase três vezes o aumento percentual do valor face à quantidade.
O que significa que no conjunto dos primeiros três meses do corrente ano, "a pesca descarregada na Região rondou as 834,2 toneladas, que geraram receitas de primeira venda de 4,5 milhões de euros", frisa a DREM, comparando com as 809,5 toneladas que resultaram em receitas de quase 4,2 milhões de euros no 1.º trimestre de 2023.
Contudo, nem tudo são subidas. "Nas principais espécies capturadas, o chicharro (-69,8%), a cavala (-59,7%) e o atum e similares (-5,1%) apresentaram decréscimos. O peixe-espada preto, ao invés, registou um aumento de 16,8%, sendo este determinante no crescimento observado na globalidade das capturas", sinalizou nos dados divulgados no passado dia 9.
Ora, "em valor, o peixe-espada preto representou 68,2% de receitas de primeira venda, destacou-se pela positiva (+26,7% que no mesmo trimestre de 2023), contribuindo para o acréscimo das receitas totais acima mencionado. Por sua vez, o atum e similares observou uma quebra de 22,3%", acrescentou a DREM.
Por isso, olhando em perspectiva, apenas há mais peixe-espada no mercado, em detrimento do atum, as duas espécies mais descarregadas nas lotas da Madeira - no primeiro trimestre ambas representaram, sensivelmente, 93% do pescado descarregado e o mesmo peso nas receitas -, e essa espécie acaba por contribuir significativamente para os valores recorde. E logo o peixe símbolo da gastronomia madeirense ligada ao mar. Não só muitos madeirenses não o dispensam, como é popular entre os que visitam a ilha em turismo.
Olhando ao "preço médio de pescado apurado na primeira venda, para o período em referência (excluindo-se nestes cálculos o pescado descarregado destinado a autoconsumo), foi de 5,50€ (5,25€ no mesmo período de 2023), com o preço médio para o atum e similares a atingir os 7,56€ (9,25€ no período homólogo) e para o peixe-espada preto os 5,04€ (4,67€ nos primeiros três meses do ano precedente)", frisava a DREM.
Ou seja, com uma quebra significativa na pesca do atum, o seu preço médio baixou 1,69 euros/kg, e com um aumento ligeiro na na pesca do peixe-espada preto, o seu preço médio aumentou 0,37 euros (37 cêntimos)/kg, quando comparados os dois primeiros trimestres de 2023 e 2024.
Teoricamente, na lei da oferta e da procura, quando há muita oferta, os preços diminuem, e quando há muita oferta por um produto e escassez do mesmo, os preços sobem.
Mas não é isso que acontece nestes dois casos, nomeadamente do peixe-espada preto, que com muita oferta aumentou a receita na lota, mas também com o atum, que com pouca oferta diminuiu a receita gerada. O 'normal' seria diminuir o valor do peixe-espada preto e aumentar o valor do atum.
Mas se compararmos os mesmos três meses de 2022, quando tinham sido capturadas 138 toneladas de atum e similares, que renderam 1,06 milhões de euros, então temos um preço por quilograma de 7,71 euros. Ou seja, um ano depois, 1.º trimestre de 2023 foram capturadas 158,7 toneladas desta espécie, que renderam 1,46 milhões de euros, mas como já vimos o preço por quilograma aumentou quase 20%, mas agora entre Janeiro e Março de 2024 diminuiu 18%.
Fica-se com a ideia que a definição do preço em lota não está a seguir a referida lei da oferta e da procura. Haverá seguramente outros factores. Um dos mais importantes, a inflação, não só na matéria-prima, ou seja no peixe que acaba por ser o fruto do sector, mas também de tudo o que rodeia a ida ao mar. Essa evolução é notória no gráfico em baixo.
Há claramente uma evolução significativa no valor do pescado em relação à quantidade em 2022, ainda mais em 2023 e a continuar neste ano de 2024. Ou seja, comparando o que se capturou no 1.º trimestre de 2022 e os dados mais recentes, a quantidade aumentou apenas 4,2%, mas o valor catapultou para mais de 77%, mais de um milhão e meio de euros de receita para somente mais 33,8 toneladas.
Acresce referir que a taxa de variação anual do índice de preços no consumidor, ou seja taxa de inflação dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (onde se inclui, claro, o peixe), aumentou em 2022 para 10,96% e em 2023 para 11,90%, ambas acima da taxa de inflação geral na RAM de 6,95% em 2022 e 4,96% em 2023. Em Janeiro (+10,7%), Fevereiro (+9,4%) e Março (7,9+%) de 2024, os Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas continuam em alta comparada com os períodos anteriores e bem acima da inflação geral, +4,5%, 4,1% e +3,6%, respectivamente. Ou seja, há um declínio gradual dos preços, mas tendo em conta o exposto acima, nada garante que o pescado irá ficar mais barato do que actualmente.