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Crónicas

Maio, tão grande é a Primavera

Aos domingos à tarde, na cabine telefónica, quando ligava para casa a dizer que estava bem, pesavam-me as saudades

Há muitas maneiras de gostar ou de começar a gostar, poucas vezes é à primeira vista e Lisboa foi assim. Não existia, entre a miúda do Laranjal e aquele lugar inóspito e cinzento onde aterrei numa manhã de Janeiro, qualquer ponto de convergência. Os comboios e o entra e sai do metro confundiam-me e as pessoas acabavam de falar antes de ter tido tempo para as perceber.

Aos domingos à tarde, na cabine telefónica, quando ligava para casa a dizer que estava bem, pesavam-me as saudades. Eu vivia num sótão sem vista, na Amadora, e não achava justo que a minha mãe enumerasse as novidades, dava a impressão que tudo se pusera em movimento. As vizinhas iam casar ou tinham ficado noivas e, no nosso quintal, havia aquele aroma das flores.

As tardes terminavam da mesma maneira, mas já não podia pendurar-me na varanda do terraço para ver o dia terminar para lá do Jamboto. Eu estava ali, numa cabine telefónica a meter moedas de 20 e 50 escudos, numa rua indistinta de Lisboa, a mil quilómetros e com o mar pelo meio, com passagem marcada só para as férias grandes.

Uma parte de mim reproduzia cada canto daquelas casas; a outra lembrava o sabor das bananas, dos abacates e dos maracujás e sofria com aquele frio que, nem nos dias de sol, dava descanso. Fazia-me falta o ar morno do Funchal, o aconchego da mãe e das tias e queria ir a um café sem que alguém desse pelo sotaque e o tentasse imitar, rindo-se depois pela façanha.

Lisboa foi tudo isto e por vários meses, os que levava ali, a tentar orientar-me nas aulas e a ver se, no intervalo, aparecia alguma cara simpática, alguém que, mesmo com outro sotaque, tivesse lido os mesmos livros e visto os mesmos filmes. Lembro-me que, apesar da timidez, consegui companhia para o almoço, depois para o jantar e começaram a levar-me a casa. Eu era a colega mais exótica, vinha de longe, da Madeira onde toda a gente queria ir de férias.

E, depois, numa manhã, ao sair do metro, senti aquele ar morno da Primavera a anunciar o Verão, mais à frente um senhor vendia morangos e encontrei uns colegas da turma. Fomos juntos, a conversar, depois combinámos ir ao cinema por ser segunda-feira e por ser mais barato. O peso da solidão aliviou e era só o princípio. Havia ali, entre aqueles jovens de 19, 18 anos, outros como eu, com as mesmas angústias, as mesmas esperanças.

Não tardaria a sermos quase como família, a partilhar apontamentos, dúvidas, dinheiro e o jantar na cantina. E com eles comecei a gostar de Lisboa, a ver-lhe o charme, a perceber como é bonita e luminosa em Maio. Às vezes tenho saudades, que são também saudades dos meus 20 anos.