O paradoxo do poder
São diversas as formas como nos relacionamos, inclusive com aqueles de quem discordamos
“Se a história nos ensina alguma coisa [é que] (...) uma desintegração dos sistemas políticos precede as revoluções, que o sistema revelador da desintegração é uma progressiva erosão da autoridade governamental, e que esta erosão é causada pela incapacidade do governo para funcionar adequadamente, de onde brotam dúvidas dos cidadãos sobre a sua legitimidade. É a isto que os marxistas costumavam chamar de “situação revolucionária” – que, claro está, na maior parte dos casos não se desenvolve numa revolução” (Arendt, H., 1972).
Vivemos tempos de grandes alheamentos e incertezas e, teremos de o admitir, de descomunais medos recalcados pelas circunstâncias. Somos seres contextualizados e é nesta historicidade que nascem a dúvida e busca pela mudança, ou Revolução – se assim a quiserem chamar. Seja como for, qualquer tentativa de transformação social e política só é possível através da reflexão ética e moral. Ética porque “é minha” e moral porque “é de todos”. Até este movimento é uma opção livre pelos valores e princípios que nos unem. No entanto, o querer ser moral não torna o homem moral. No fundo é disso que se trata: ser e deixar ser livre. É este o paradoxo do poder, que não tem de ser forçosamente político, mas que o é para quem quer liderar.
“The Power Paradox: How We Gain and Lose Influence”, de Dacher Keltner, explora os meandros do poder humano e suas implicações nas relações sociais. Publicado em 2016, o livro desafia muitas das conceções convencionais sobre o poder, argumentando que o verdadeiro poder não é alcançado através da dominação e do controle, mas sim através da empatia, compaixão e ligação aos outros.
São diversas as formas como nos relacionamos, inclusive com aqueles de quem discordamos. Mas há duas dimensões evidentes de relacionamento: pela dureza da coerção e do autoritarismo ou, por uma outra extensão de ação: pela generosidade, gentileza e implicação. Tendencialmente, os que exercem o poder com base em competências sociais alcançam uma influência mais significativa e longa do que aqueles que dependem do poder musculado. Mas como os distinguir num mundo marcado pela dissimulação, mentira e aparência? Em quem confiar? Isto leva-me ao início deste texto: como fazer e com quem fazer a mudança? Para quê e porquê a revolução que não sei assegurar se será de saneamentos, linchamentos ou de acolhimentos?
A verticalidade de ser é a postura de quem não se deixou corromper e que, tal como Dacher Keltner, acredita que os líderes são os que percebem que a empatia é mais forte que a pose narcisística e que a compaixão é o verdadeiro significado da política. A eficácia de um líder reside na inclusão e condução de todos pela crença de que vale a pena. Falta-nos quem nos faça acreditar.
É este o paradoxo do poder: aqueles que o alcançam perdem a capacidade de se unir verdadeiramente com os outros, o que pode levar à sua queda, por muito que digam que não estão disponíveis para sair. A arrogância e a falta de empatia, principalmente pelos seus, podem minar a influência de um líder. A inaptidão para a humildade e grande necessidade de falarem sobre os outros, sem contraditório, é o que faz de alguns autênticos perdedores.
Ao desafiar conceções tradicionais de poder e influência, “The Power Paradox” convida os leitores a repensarem as suas próprias noções sobre o que significa liderar e significar com os outros. Também nos mostra o porquê de na “maior parte dos casos não se desenvolver numa revolução”. A razão é simples: alguns nascem com nobreza. Outros têm de a reivindicar.