Imigrantes na Alemanha alarmados com subida da extrema-direita
Política de migração é bandeira de campanha da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido que aparece em segundo lugar nas sondagens para as eleições europeias
Atrás de uma banca de sumos de fruta de múltiplas cores, tantas como os tons de pele neste bairro de Berlim, Ysuf é apenas um adolescente, mas partilha as preocupações dos adultos com o crescimento da extrema-direita na Alemanha.
Tem 16 anos e pertence à terceira geração de uma família turca, mas vive intensamente a comunidade em "Kottbusser Tor" - bairro mais conhecido por "Kotti". A música de fundo obriga-o a falar mais alto.
"Tenho receio que esta gente chegue ao poder. Mas sou novo, tenho de estar otimista", diz, enquanto familiares vão vendendo fruta ali ao lado.
É feriado, e a calma geral da capital contrasta com o frenesim deste bairro onde pouco se ouve alemão. As esplanadas dos restaurantes, muitos de "kebab", estão cheias de gente. No "Tadim", enquanto se afiam as facas para cortar a carne, ouve-se um funcionário.
"Se não fossemos nós a trabalhar a um feriado, quem é que o faria?", pergunta, encolhendo os ombros quando se fala de política.
Em Berlim, o número de estrangeiros aumenta todos os anos. Em 2023, chegou quase ao milhão, num total de quase 3 milhões e 900 habitantes. No distrito de Mitte, um dos doze da capital alemã, o número de cidadãos estrangeiros ou com raízes migrantes supera o de alemães.
"Quando cheguei à Alemanha, senti que este era um país socialmente justo para os migrantes, onde queria estar, pagar impostos, integrar-me. Agora, o sistema social está a derrubar-se, os direitos de igualdade, direitos humanos são aplicados seletivamente", desabafa o egípcio Ahmed Khaled, nome fictício.
"Sinto-me cada vez menos incluído e com menos vontade de contribuir. Talvez devêssemos mudar-nos para um país que nos respeitasse e apreciasse o nosso trabalho", continua.
Ahmed mudou-se para a Alemanha em 2018 para estudar. Vive em Berlim desde 2019. Acompanha com atenção a política e o crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema-direita que aparece em segundo lugar nas sondagens para as eleições europeias.
"É alarmante. Para mim, que venho do Médio Oriente, noto que há um sentimento antiárabe nas políticas e na direção seguida pela AfD. Prefiro referir-me a este problema como 'antiárabe', em vez de dizer islamofobia porque tanto eu, que venho de uma família muçulmana, como a minha mulher, que vem de uma família cristã, somos vítimas de racismo da mesma forma", lamenta.
"A AfD é realmente um problema, mas também considero que os partidos de centro, como a CDU e o SPD, o são, especialmente com o que se está a passar na Faixa de Gaza. Sinto que também nestes partidos há um forte discurso antiárabe, ainda que não seja tão direto como o da AfD. Com eles já sabemos ao que vão", aponta.
Em "Kotti", os cartazes de campanha para as eleições europeias aparecem envergonhados, quase nem se dá por eles. O interesse no bairro também não é grande, mas há quem pense nas consequências de uma extrema-direita mais forte no Parlamento Europeu.
O coletivo de jornalistas "Correctiv" deu recentemente conta de um plano de deportação discutido por vários elementos da extrema-direita, entre eles da AfD, que previa expulsar do país migrantes "que não estavam assimilados na sociedade", incluindo aqueles que têm nacionalidade alemã.
O partido, que tem estado envolvido em vários escândalos e que já enfrentou manifestações a favor da sua abolição um pouco por toda a Alemanha, está em segundo lugar nas sondagens para as eleições europeias marcadas para 09 de junho.
"Na Europa, é muito claro que a viragem à direita já não pode ser travada (...). Se a AFD se tornar o segundo partido mais forte, terá uma voz mais ativa, e as decisões serão tomadas por interesses instalados, com os estrangeiros ou, como eu, que têm antecedentes migratórios, a serem excluídos da sociedade ou a verem os seus direitos retirados", acredita Alpkan Erik.
Nascido em Berlim, em 1992, é de origem turca e tem passaporte alemão. Os avós chegaram à Alemanha nos anos 60 como "trabalhadores convidados".
"Quando vejo na televisão documentários sobre o genocídio dos judeus, pergunto-me por vezes se algo tão horrível pode voltar a acontecer na história. A AfD está sempre a propagandear que vai deportar os imigrantes e os estrangeiros quando estiver no poder. Pergunto-me como vai ser possível deportar milhões de estrangeiros? Depois, infelizmente, lembro-me das imagens horríveis da era nazi", admite.
Alpkan Erik teme o futuro e a impossibilidade de poder constituir família. Iman, de Teerão (Irão) e a viver na Alemanha desde 2010, já pai de dois filhos de 5 e 7 anos, partilha a incerteza.
"É um pesadelo imaginar que as minhas crianças vão ter problemas por causa das suas raízes. A ideia das deportações é alarmante. Por um lado, não me assusta porque parece absurda, mas, por outro lado, com base na minha experiência, muitas ideias desumanas podem tornar-se realidade se não forem contestadas numa fase inicial. Por isso, sim, estou realmente preocupado com a situação atual", admite.