O bom, o mau e o imune
Afinal, para o MP, o que antes obrigava à prisão, agora resolve-se com a entrega do passaporte
Sem ajuda da Força Aérea, aterrou nas capas dos jornais o recurso do Ministério Público no processo da operação Zarco. Como sempre, com ou sem segredo de justiça, o público soube da novidade antes dos arguidos. Sem grande surpresa, ficámos a saber que os arguidos mentiram, são corruptores crónicos, mas esquecidos, pois anotariam, para conveniência da investigação, o seu plano criminoso em blocos de notas. No meio da história contada pelo MP, que por milagre chegou às mãos dos jornalistas, passou despercebido um pormenor. O mesmo MP que, há poucas semanas, exigia a prisão preventiva dos arguidos e que via nas parecenças familiares ardilosos planos de fuga, mudou de opinião. Afinal, para o MP, o que antes obrigava à prisão, agora resolve-se com a entrega do passaporte. Até parece brincadeira, não fosse o brinquedo a liberdade de três pessoas.
O bom: Serviço Regional de Saúde
Os serviços públicos de saúde não estão acima da crítica. Aliás, é natural que os cuidados de saúde prestados pelo Estado estejam sujeitos a um escrutínio, público e político, mais exigente que os prestados pelo setor social ou privado. Não que sejam merecedores de desconfiança acrescida, mas porque abrangem um maior número de pessoas, por serem, muitas vezes, a última alternativa e, por fim, porque funcionam à custa de dinheiro público. Coisa distinta é, à conta da crítica cega e constante, fazer do serviço público de saúde uma casa de horrores. Na Madeira, quem faz vida de maldizer o serviço regional de saúde, terá tido uma semana desafiante. Após o incêndio que levou ao encerramento de vários serviços no Hospital de Ponta Delgada, a maior unidade de saúde dos Açores, o Serviço Regional de Saúde da Madeira recebeu 58 utentes afetados pelo incidente. A urgência do acolhimento dá-nos uma perspetiva sobre o SESARAM que a política esconde. Um serviço público de saúde que, quase de um dia para outro, consegue responder a um desafio desta dimensão - que incluiu grávidas, doentes renais e utentes dos cuidados intensivos – merece respeito e os seus profissionais são dignos de um profundo reconhecimento.
O mau: Força Aérea e a Segurança Interna
A mesma Força Aérea encarregue de missões ao serviço da NATO, empenhada no salvamento de migrantes no Mediterrâneo ou responsável pelo policiamento do espaço aéreo europeu, está transformada em companhia aérea low cost da Polícia Judiciária. Para além do número exorbitante de agentes e do aparente desconhecimento que a PJ tem um Departamento na Madeira, a utilização de meios militares para uma operação de segurança interna levanta questões complexas e exige explicações. Não se tratam só dos limites constitucionais vigentes, que restringem o uso das forças militares a missões de proteção civil e a estados de exceção, mas a inegável evidência de que a segurança interna não é função das Forças Armadas. É, por isso, preocupante a aparente militarização da investigação criminal, especialmente por ser justificada pela falta de meios das polícias. A este ritmo, e perante a reconhecida falta de recursos humanos da PJ e da PSP, está feito o caminho para que tenhamos militares encarregues de buscas domiciliárias, revistas e apreensões. Será esse o resultado da progressiva erosão da linha que separa a segurança interna da defesa nacional. Todavia, isso não significa que não deva existir cooperação entre as polícias e as Forças Armadas. Ninguém compreenderia que, à custa da distinção teórica entre segurança interna e defesa nacional, se pusesse em causa o combate à criminalidade. O que se exige é que a articulação entre uns e outros seja feita de forma transparente, sindicável e proporcional, e não se transforme a Força Aérea numa companhia de transportes da PJ, com voos regulares para a Madeira. Por este andar, só lhes falta ter direito a subsídio de mobilidade.
O imune: Miguel Castro
Esta crónica não é sobre um político que foi apanhado a conduzir com um copo a mais, mas sobre um político que foi apanhado e quis aproveitar-se disso. Miguel Castro, figurante anónimo nos cartazes de André Ventura para as próximas eleições regionais e líder do Chega Madeira, foi multado por conduzir sob o efeito de álcool. O exercício de funções políticas – Castro é deputado à Assembleia Legislativa – não reduz, nem acresce, à responsabilidade que qualquer outro cidadão teria em situação idêntica. Até aqui, pouco ou nada a apontar. O problema é que a politiquice é tentadora, especialmente quando se lidera um projeto partidário assente em chavões populistas e na diabolização dos políticos. No ato de contrição que Miguel Castro partilhou nas redes sociais, por entre inusitados agradecimentos à PSP e um justo apelo a que quem conduz não beba, o líder do Chega bateu no peito e gabou-se de não ter utilizado a imunidade parlamentar a que, supostamente, teria direito. O problema é que não tinha. Aliás, só quem tem uma ideia muito errada do que é, e para o que serve, a imunidade, pode considerar que a mesma se aplicaria numa operação Stop de rotina. Talvez seja esse o problema. Miguel Castro não tem imunidade parlamentar para as operações Stop, mas parece imune ao bom senso.