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Instabilidade

O título deste texto poderia perfeitamente ser o nome do meio do atual Presidente da República. A mediatização das suas decisões políticas, a preocupação com a respetiva aceitação e a corrida frenética para manter sondagens favoráveis da sua popularidade caracterizaram os oito anos de Marcelo Rebelo de Sousa no cargo. Sem esquecer os gelados à porta de Belém, ou o recato seletivo dos comentários que tece num papel do qual nunca se quis descolar, chegamos ao cinquentenário de abril com mais dúvidas do que certezas.

Certamente os principais partidos terão responsabilidades no desalento da população para com a atividade política. Seja pelo crescimento moderado da economia nacional nos últimos 20 anos, ou pelo sucessivo adiar de concretizações legitimamente esperadas pelo Povo. Todavia, será difícil discordar do facto de o Presidente da República ter contribuído, significativamente, para os cenários de ingovernabilidade que se vivem e vislumbram em todo o território nacional. E fê-lo nunca pelo país, pelo sistema político ou pela assertividade das decisões. Fê-lo, essencialmente, por si e pela sua carreira política.

O problema nunca foi - nem será - devolver a voz ao Povo. Esse é sempre soberano e deve sempre ser chamado quando a situação exige clarificação política. E, não tenham dúvidas, vota sempre bem. Todavia, o problema corresponde, na sua essência, à criação da sensação em toda a sociedade portuguesa - Regiões Autónomas inclusive - que qualquer impasse, de qualquer natureza, do qual não resulte “um mar estável e previsível” se concretize numa nova chamada às urnas, transformando as eleições legislativas num plebiscito. Seja do próprio, de quem governa ou de quem faz oposição.

A essência da Democracia traduz-se, precisamente, na divergência de posições quanto a determinadas áreas ou projetos. Em Democracia nunca se deve discutir a pessoa, mas a ideia. A longevidade vem do projeto, nunca da circunstância ou da popularidade. Por isso, se em qualquer contrariedade a solução é dissolver, qual a responsabilidade política daqueles que fazem valer os seus pontos de vista? Seja no Orçamento de Estado de 2022, chumbado pelas esquerdas, ou no Orçamento dos Açores que não foi viabilizado.

Por tudo isto, é difícil compreender a banalização dos atos eleitorais em pleno cinquentenário de abril. Em Democracia o voto é solene e sagrado, não banal e mundano. Que se celebre a liberdade que novembro de 75 transformou em Democracia, votando. Mas que não se vote por tudo e por nada. Porque tudo o que assim não seja, fará do voto popular um ajuste de contas momentâneo e não uma prestação de contas entre eleitos e eleitores. Desresponsabilizará os políticos da missão de conseguir construir as convergências e consensos necessários que lhes compete. E a desresponsabilização política é, no mínimo, contrária a qualquer ideia de Democracia representativa.