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Estabilidade governativa? Em democracia só é legítima se dela resultar

A poucos dias da celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ocorrida na saudosa madrugada de 25 de abril de 1974, teria sido um péssimo sinal, se o Presidente da República (PR) Marcelo Rebelo de Sousa, não tivesse convocado eleições legislativas regionais antecipadas, como forma de esclarecer a situação política vivida na Região Autónoma da Madeira (RAM). Para tal, marcou o próximo dia 26 de maio. No período que antecedeu o readquirir por parte do PR, os seus poderes de dissolução da Assembleia Legislativa Regional, ouvia-se à boca cheia por parte de políticos instalados, afirmações do género “há que priorizar a estabilidade regional “ ou “a estabilidade governativa é essencial para assegurar o futuro da região”. A ideia era convencer a opinião pública, mas particularmente o PR, de que era prejudicial e até, pasme-se, perigoso, convocar eleições antecipadas. Bem vistas as coisas, poderá ser mais ou menos o mesmo que dizer, “suspenda-se a Democracia, que dá muito trabalho, e é cara”. Ou seja, na realidade, tenha-se ou não noção, esse chavão da “estabilidade governativa”, no caso, poderá ser uma afirmação antidemocrática e porventura estaria associada a agendas pessoais e/ou calendários que estão focados no imediatismo.

A estabilidade que se deseja, e é obrigatório proteger, é a estabilidade do regime democrático. A essa sim, temos todos de estar muito atentos.

Particularmente os mais vividos em idade e experiência e que estão despegados da política e de lugares desta. É que as novas gerações, que sempre viveram em liberdade, não fazem a menor ideia do que é viver em ditadura. Por essa razão, não estão a par da verdadeira importância da Democracia, nem da sua fragilidade, sendo alvo fácil para se deixarem embalar por falsas doutrinas e falsos profetas. E essa fragilidade é constatável na ascensão rápida de partidos da extrema direita, que são, garantidamente, a certeza da suspensão de direitos e garantias que todo o Estado de direito democrático assegura aos seus cidadãos. Mas se assistimos a esse fenómeno, é porque os partidos democráticos “clássicos” não fizeram o seu trabalho, pois é evidente que parte desse crescimento, resulta da insatisfação e protesto das populações, que em face de políticas que durante anos enriqueceram uns poucos e empobreceram imensos, se voltam maciçamente para estes partidos, liderados por falsos messias. Mas ainda assim, é a Democracia que tem de resolver esse problema e uma das formas de o fazer, é começar por distribuir de forma justa a riqueza que se cria na economia do país. Ora, não é o que temos vindo a assistir. Atente-se nos jovens, por exemplo, para quem comprar ou alugar uma casa é uma miragem. Ou constituir família e querer ter mais que um filho, ou até uma família mais numerosa. Neste caso, a opção, já instalada, é, pasme-se, ter um animal de companhia. Mas até para estes já é necessário ter um bom nível de vida, se realmente houver preocupação em tratá-los com a dignidade que qualquer ser senciente merece. Ou o suplício que é ter uma consulta médica, um exame ou uma cirurgia no serviço nacional/regional de saúde. E o que dizer das pensões de reforma de miséria que ainda subsistem no país? Um país onde, na atualidade, 1 em cada 6 contratos de trabalho, é precário, sendo este mais um ranking onde na União Europeia só os Países Baixos nos ultrapassam.

Um país, onde quase cerca de 70% das mulheres recebe uma remuneração mensal bruta até 1000 euros, e cerca de 1 quinto dos trabalhadores aufere o salário mínimo. Este é, de forma resumida, uma parte significativa do trabalho que resulta da atuação dos chamados partidos do arco da governação (PS, PSD e CDS), ao longo de cinco décadas de Regime Democrático. Mas ainda assim, há motivos para celebrar, e trabalhar para dotar a democracia de cidadãos/cidadãs, esse “ingrediente” sem o qual não há verdadeira Democracia. É que sem ela, estaríamos seguramente muito piores. Mas há que estar em vigilância, pois vivemos um tempo em que os regimes democráticos enfrentam sérias dificuldades, estando de certo modo a ficar aprisionados pelo populismo que sustenta e fermenta os partidos de direita radical, e por essa razão, é-lhes exigido um gigantesco esforço para que se mantenham.

Assim, há que ter em mente que votar é apenas uma pequena fração do processo democrático. Muito importante é a possibilidade da existência de debate, que a Democracia permite que possa partir do pluralismo de opiniões, as quais podem conduzir a melhores soluções. E essa pluralidade de opinião só pode existir se as liberdades essenciais dos cidadãos estiverem protegidas. A liberdade e o respeito, são valores que sustentam os pilares do pluralismo e do debate, nos quais se fundamentam as democracias.

Cabe-nos a todos nós, particularmente, como atrás referi, aos mais vividos e experientes, assegurar que esse património conquistado no alvorecer do passado dia 25 de Abril de 1974, é uma herança que deixamos às gerações vindouras.