Sinais de agonia prolongada
A Madeira definha a vários níveis e os sintomas da agonia prolongada são indisfarçáveis. Por muita que seja a cosmética aplicada nos dramas colectivos e mesmo que a perigosa opção pelo estado de negação seja ensaiada. Basta ler o que escrevemos. Só na passada semana ficámos a saber que a criminalidade aumentou 6% na Região, ultrapassando a fasquia dos 7.200 casos. Há 12 anos que não havia tantos crimes na Região, com as burlas, a extorsão, o abuso de cartão ou de dados pessoais para obtenção de dinheiro a atingirem o maior valor desde que há registos e com a violência doméstica no nível mais elevado dos últimos 5 anos. Que mais de 650 crianças madeirenses ficaram sem pensão de alimentos, por incumprimento das responsabilidades parentais, obrigando o Estado a chegar-se à frente. Que a dinâmica empresarial na Região registada no 1.º trimestre deste ano voltou a ‘arrefecer’, sendo que a criação de empresas sofreu uma quebra e os encerramentos aumentaram. Que as infracções laborais dispararam no 1.º trimestre, com a Autoridade Regional para as Condições de Trabalho a identificar casos de fraude laboral, violação de regras de segurança e saúde, entre outras. Que o Marítimo e o Nacional, ambos a lutar pela subida, não têm garantias de apoio público em caso de voltarem à I Liga por falta de Orçamento da Região aprovado, que compromete a ajuda do Governo aos clubes. E que perante tanta adversidade a carecer de atenção máxima, a que juntarão outras dificuldades a noticiar nos próximos dias, há gente que se deleita com entretenimento tribal, com manobras de branqueamento ou meras vinganças, atitudes lamentáveis registadas em diversos antros políticos que se intrometeram sem licença na vida de todos, denotando derivas inacreditáveis, sobretudo no experimentado PSD-M.
Escrevia Sara Madruga da Costa no DIÁRIO que “quando menos se espera, surgem comportamentos inaceitáveis para tentar condicionar a opinião e a liberdade de cada um”. Nada mais certo. E fala quem sabe. Só que o problema alojado num partido do sistema, por sinal viciado em manobras implosivas, vem de longe e pelos vistos, enquanto deu jeito, foi tolerado, sobretudo por aqueles que agora se revoltam tardiamente contra expedientes dos quais foram cúmplices.
Onde estavam todos os social-democratas que por estes dias se atiram contra tudo aquilo que ajudaram a consolidar? Onde estavam quando o antigo líder, que muitos ainda veneram, proibiu todos os articulistas afectos ao PSD-M que eram colaboradores do DIÁRIO de dar opinião e quando a caravana eufórica bateu palmas aos que, numa noite de vitória eleitoral, cantaram junto a esta casa ‘nós só queremos ver o DIÁRIO a arder’? Onde estavam quando vários madeirenses, tratados com desdém por ‘Maria das Cerejas e o José dos Anzóis’, foram humilhados na praça pública e expostos ao ridículo? E onde estavam quando Jardim tentou expulsar Miguel Albuquerque do PSD-M? Não há páginas que cheguem para lembrar tanta atrocidade permitida, até porque quase todos estavam no lugar confortável de sempre, do qual hoje alguns sentem vergonha, mas que edificaram, sem terem o devido cuidado de formar decisores para a frontalidade em vez da conveniência, para os valores em vez dos caprichos, para a “integridade” em vez da futilidade, e sem terem responsavelmente expurgado tudo o que atenta contra o pluralismo, as liberdades e a democracia.
Presumia-se que os titulares de cargos de confiança política, afectos a vencedores ou a vencidos nas lutas partidárias internas, tivessem princípios. Que não misturassem o governo com o partido. Que efectivamente trabalhassem nos locais onde foram colocados ou para os quais foram convidados. Que não se limitassem a ir picar o ponto antes de rumarem à sua vida em cada dia. Que fossem honestos e combatessem a hipocrisia. Que fossem responsáveis no exercício da causa pública que abraçaram.
Puro engano, a julgar pela necessidade de cobrança de lealdade aos que manifestando discordar do rumo no partido e no governo não agiram em conformidade, uma vez perdedores. Não pôr o lugar à disposição é revelador do instinto de sobrevivência daqueles que se seguram nos lugares, mesmo que em ruptura com quem lhes deitou a mão. Mas também define uma liderança, a efectiva, que em fim de ciclo estranhamente empurra para a porta de saída os dispensáveis, mas não se responsabiliza pelas exonerações, e a derrotada, que se mostra indisponível para listas e outras tarefas e, se calhar, também para votar no seu partido nas próximas eleições.