ONU prevê "aumento chocante" de negação de acesso humanitário a crianças
A representante da ONU para Crianças e Conflitos Armados denunciou hoje que o seu próximo relatório deverá conter "um aumento chocante" da negação de acesso humanitário a nível mundial, alertando para a situação na Palestina, Iémen e Afeganistão.
Num 'briefing' do Conselho de Segurança da ONU focado em abordar as consequências da negação do acesso humanitário a crianças, Virginia Gamba recordou que no último relatório anual sobre crianças e conflitos armados, divulgado em junho de 2023, a ONU verificou 3.941 casos de negação de acesso humanitário, tornando-se uma das violações mais registadas em 2022.
"Os dados recolhidos para o nosso próximo relatório, a divulgar em 2024, mostram que estamos no caminho para testemunhar um aumento chocante dos incidentes de negação de acesso humanitário a nível mundial. O desrespeito flagrante pelo direito humanitário internacional continua a aumentar", frisou a representante das Nações Unidas, sem especificar quais países poderão ser os mais destacados no próximo levantamento.
Desde 2019, os números da ONU mostram aumentos exponenciais de incidentes verificados de negação de acesso humanitário a crianças.
De acordo com Virginia Gamba, em 2022, os valores mais elevados foram verificados nos Territórios Palestinianos Ocupados, no Iémen, no Afeganistão e no Mali, e, no geral, essa negação está ligada à restrição de movimentos humanitários, à interferência nas operações humanitárias ou à discriminação das crianças que beneficiariam dessa ajuda.
"A nível mundial, espera-se que a situação piore ao longo do tempo devido à adoção de leis restritivas, decretos administrativos e regulamentos, e ao aumento do controlo sobre o trabalho e trabalhadores humanitários. Algumas situações envolvem elevados níveis de impedimentos arbitrários e/ou negação total do acesso humanitário às crianças, incluindo em situações como nos Territórios Palestinianos Ocupados e no Haiti, para citar apenas duas", disse.
A representante observou que as crianças são afetadas pela negação do acesso humanitário não só no campo de batalha, mas também em campos para deslocados e em locais em que os menores são privados de liberdade.
Segundo a ONU, a negação do acesso humanitário está frequentemente ligada ao aumento de outras violações graves contra crianças, como o recrutamento e a violência sexual, tendo efeitos duradouros no bem-estar e no desenvolvimento das crianças.
No Sudão, por exemplo, os combates que começaram há quase um ano entre as Forças Armadas sudanesas e as Forças de Apoio Rápido deixaram 14 milhões de crianças com necessidades humanitárias urgentes, com a ONU a prever que 3,7 milhões das quais estarão gravemente desnutridas em 2024.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mais de quatro milhões de crianças foram deslocadas pela violência, tornando o Sudão a maior crise de deslocamento infantil no mundo.
A ofensiva militar lançada em outubro por Israel na Faixa de Gaza após os ataques do grupo islamita palestiniano Hamas deslocou 1,7 milhões de pessoas em todo o enclave, sendo as crianças um dos grupos mais afetados pelo conflito ainda em curso.
Em 18 de fevereiro, o Cluster Global de Nutrição informou que aproximadamente 15% das crianças com menos de dois anos no norte de Gaza sofrem de subnutrição aguda.
No 'briefing' de hoje, o diretor-executivo adjunto da UNICEF para a Ação Humanitária, Ted Chaiban, recordou a sua recente visita a Gaza, onde testemunhou um "declínio surpreendente" nas condições de vida das crianças.
"Destruição generalizada de infraestruturas logísticas, um quase bloqueio no norte de Gaza, repetidas negações ou atrasos na concessão de acesso a comboios humanitários, a escassez de combustível e os apagões de eletricidade e telecomunicações têm sido devastadores para as crianças", disse.
Como resultado destas restrições, as crianças não têm acesso a alimentos nutritivos adequados ou a serviços médicos.
"Dezenas de crianças no norte de Gaza terão morrido de subnutrição e desidratação nas últimas semanas e metade da população enfrenta uma insegurança alimentar catastrófica", sublinhou Chaiban.
Na reunião de hoje do Conselho de Segurança, os representantes da ONU apelaram às partes em conflito em diversas partes do mundo para que protejam as crianças, instando-as a cumprir as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional e a emitir ordens militares que facilitem a prestação de assistência humanitária às crianças.