Ubiquidade
Santo António de Lisboa é talvez o santo português mais conhecido. E é um bom exemplo da raça: nascido em Lisboa, c. 1195, acabou por morrer em Pádua, em 1231. Percorreu vários países, estudando e pregando, tornando-se um cidadão do Mundo. Basta lembrar que é também conhecido por S. António de Pádua (disputa que ainda perdura).
Uma antecipação da fuga de cérebros a que se assiste em Portugal, oito séculos depois...
Dele se contam muitos milagres (além dos casamentos conseguidos), mas retenho este. Enquanto pregava no púlpito da Catedral, Santo António lembrou-se de que havia prometido cantar, àquele mesma hora, no Convento de S. Francisco. Recolheu-se no púlpito como em meditação e foi milagrosamente visto a cantar no Coro do convento, durante esse tempo.
Este dom da ubiquidade está vedado ao comum dos mortais, mas, por vezes, faz muita falta. Quantas vezes no vemos divididos entre duas (ou mais) obrigações, no difícil exercício de nada deixar para trás e não melindrar ninguém.
A semana do 25 de Abril é sempre recheada de eventos, com maior ou menor peso, quer a título individual, quer institucional. No meu caso, fiquei dividido entre a tradicional confraternização dos Capitães de Abril, a presença na Assembleia da República, a participação no desfile na Avenida da Liberdade (que se revelou histórico), a inauguração de uma avenida com o nome da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, em Oeiras, e várias outras iniciativas.
Surgiu então outro desafio: o lançamento de um livro com uma recolha de textos meus publicados em diversas publicações. Iniciativa mais devida à amizade e camaradagem do que ao mérito dos meus escritos. Só que a data prevista para esse evento era o dia 25 de Abril!
Estando fora de causa o recurso à ubiquidade, havia que escolher.
Falou mais forte o apego às raízes, aquela ligação telúrica que nos prende a todos, os nascidos e criados entre bananeiras e canas, veredas e levadas, calhaus e rochas, sargaços e giestas, serras verdes e mar azul. Com uma memória colectiva que vai desde a História às recordações familiares,e da cultura erudita aos arraiais.
Opção fácil, portanto. Não sendo poeta, posso mesmo assim relembrar António Aleixo, o analfabeto que ainda hoje nos delicia com as suas rimas singelas: Se poeta sou / Sem a quem o devo / Ao Povo a quem dou / Os versos que escrevo.
E quanto ao mérito e qualidade dos escritos, evoco novamente António Aleixo: Peço às altas competências / Perdão porque não sei ler / Para quaisquer deficiências / Que os meus versos possam ter.