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Crónicas

A teoria da autoflagelação colonial

Apetece perguntar o mesmo que o antigo Rei de Espanha perguntou um dia a Hugo Chavez...

Marcelo não está bem. É evidente, seja pelas atitudes ou postura que algo se passa com Rebelo de Sousa. Se já era do conhecimento de todos a necessidade constante de marcar posição e de assumir protagonismos, muitas vezes de forma errada a verdade é que não parece o mesmo, para pior. Esta semana numa conversa com jornalistas e correspondentes de orgãos de comunicação internacionais no nosso país, resolveu assumir uma posição de dívida em relação às ex-colónias que nas palavras dele, merecem ser reparadas por todo o mal feito quando eram parte de Portugal. Não sei o que ele saberá que nós não sabemos, ou o que terá ouvido em casa quando o seu pai Baltazar Rebelo de Sousa foi Governador-Geral de Moçambique escolhido por Salazar. O que é facto é que eu não comungo da sua opinião e acho-a até de uma leviandade no mínimo desconcertante. E como eu muitos portugueses ficaram chocados com as declarações, pela forma, pelo conteúdo e no timimg escolhido para o fazer.

Eu acredito que nós somos responsáveis pelas nossas próprias atitudes. Por elas devemos ser responsabilizados e assumi-las é meio caminho andado para as resolvermos. Posto isto, eu tenho passado parte da minha vida a criar relações com pessoas e instituições africanas de língua portuguesa. Criei laços e pontes, fiz amizades para a vida e desenvolvi projectos de desenvolvimento. Nunca tomei decisões que afetassem ou prejudicassem esses países, antes pelo contrário, felizmente não fui mandado para a guerra do Ultramar, nem o meu pai nem tão pouco os meus avós (muitos foram contra a sua própria vontade). Não estive lá, não tomei parte e não vivi nessa época, nem eu nem a grande maioria dos portugueses atualmente. Nunca dei para o racismo, não explorei escravos nem tratei os seus cidadãos de forma diferente ou inferior.

Acho que ninguém que tenha o mínimo de bom senso tem orgulho de certas atrocidades que foram cometidas nessa altura. Não conheço quem não abomine a escravatura e todas as formas de escravidão e para quem esse tipo de atitudes façam o mínimo de sentido. Como não me parece fazer o mínimo de sentido metermo-nos nos sapatos de quem viveu nessa época, com outra ideia do mundo, com regras e leis diferentes e sem a informação e o conhecimento que hoje temos. Como tal não podemos nós julgar o que foi feito num tempo que não é o nosso. Por absurdo, posso até imaginar que daqui por duzentos ou trezentos anos, certos comportamentos que temos hoje virão a ser considerados bárbaros à luz desses dias. Talvez venham a achar ofensivo e até hediondo que algumas pessoas possam ter passeado por exemplo animais por uma trela o que hoje é considerado normal. Isso não faz delas pessoas más ou com falta de princípios nem isso neste momento é crime, longe disso.

Os factos devem ser sempre analisados tendo por base um contexto histórico, do que era considerado normal e que não era crime. Não podemos nós agora imputar crimes que não o eram nem pedir às pessoas daquele tempo que pensassem como nós pensamos. Fazê-lo e tentar eliminar o que se passou em centenas de anos (umas coisas boas outras más) é puro revisionismo histórico e é querer reescrever o que já foi escrito. O que podemos e bem, é tentar perceber os erros que foram cometidos e trabalhar no futuro para que os mesmos não o sejam, tentarmos evoluir como seres humanos e procurar sermos melhores para com os outros. Nem vou entrar sequer na discussão de quem é que começou o comércio de escravos primeiro e quem é que o fez em maior quantidade. Sempre existiram em todas as sociedades vencedores e derrotados e quem se sobrepunha dominava sob todas as formas. Não é do domínio exclusivo dos antigos povos europeus, eram todos.

No caso especifico dos Países de Língua Portuguesa, como me dizia e bem há uns meses um ex-primeiro ministro da Guiné Bissau, em vez de insistirmos na teoria da autoflagelação, devíamos era usar esses recursos e o tempo despendido para em conjunto com esses povos procurar construir um futuro melhor, para eles e para nós, que nos aproxime mais uns dos outros e para que todos possamos ter melhor qualidade de vida, acesso para todos a cuidados de saúde e educação. Promover o crescimento conjunto, encontrar pontes e criar condições para o desenvolvimento mútuo já que é tanto mais o que nos une. E há tanto por fazer por lá… Eu tento fazer a minha parte. Era bom que Marcelo fizesse a dele em vez de mandar mais lenha para a fogueira. Apetece perguntar o mesmo que o antigo Rei de Espanha perguntou um dia a Hugo Chavez…