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O bem que é de todos

O que me preocupa, no entanto, é perceber que o território, o nosso território, não estava preparado para este crescimento

A forma como utilizamos e gerimos o nosso território é fundamental para a nossa vida em sociedade, se a queremos organizada e com perspectiva de futuro. Intervenções decididas hoje têm impacto que perdura no tempo e isso deve ser sempre tido em consideração.

No turismo, que vive desse bem comum a todos e que é de todos, mais ainda se torna premente esta lógica, o que obriga não só a um quadro legislativo claro e estável (e sucinto, mas isso já seria pedir demais; os nossos legisladores são ainda piores do que eu no que à gestão de caracteres diz respeito) como a um outro tipo de visão por parte do decisor político, cujo horizonte tende a ser o da duração do mandato para o qual foi eleito.

É evidente que o progresso social implica frequentes mudanças no uso que damos aos solos e estou à vontade para afirmar isto por tantas e tantas vezes discordar dessas opções. Quando as questionamos, não o fazemos por excesso de conservadorismo ou falta de noção, antes por diferenças relativamente ao que entendemos ser melhor para o tal nosso futuro.

Tenho saudades, já o confessei várias vezes, dos poios de bananeiras e dos espaços verdes e cinzentos intocados, que conferiam ao território uma beleza e amplitude que agora se perdeu. Dos mares sem embarcações todas paradas no mesmo sítio, a fazer a mesma coisa. Das levadas com gente qb, que permitiam uma comunhão com a envolvente de outro tipo…

Não é isso que hoje oferece o nosso destino e a dúvida, legítima, tem sido muito esta: - quanto vale a mais a quantidade, que agora temos mais?

O discurso que sustenta a decisão política tem sido sempre o mesmo: - a realocação de parcelas do território para fins turísticos visa suportar o desenvolvimento da economia. O que é engraçado é que, enquanto por cá damos por garantido que mais é mais, noutras paragens estudam-se estes fenómenos e há quem conclua que esse dito desenvolvimento afinal não traz crescimento económico, no longo-prazo.

Olhemos para algumas notícias recentes sobre a Madeira e o Turismo, que acho deviam fazer-nos pensar. Dizem-nos que crescemos 20% o número de dormidas, entre 2019 e 2023. Não é verdade; crescemos bem mais do que isso porque nestes números não estão contabilizados os Alojamentos Locais.

O que me preocupa, no entanto, é perceber que o território, o nosso território, não estava preparado para este crescimento e quem cá vem agora sente isso. Não é uma pressão extrema, tipo Praia do Inglês. Mas existe pressão turística em alguns pontos da Ilha e, em alguns casos, muito dificilmente a conseguiremos já resolver.

Depois, falar sobre intensidade no uso do território por comparação é algo que me suscita sérias dúvidas. Em qual dos destinos mencionados 2/3 do espaço é protegido? Em quantos desses locais os habitantes são ocasionais? Louvo no entanto e muito o estudo, que nunca antes tinha visto ser feita por cá; é um excelente início de discussão, que só vem com 20 anos de atraso. Mas chegou!

Achar que um terceiro, no caso uma qualquer Câmara Municipal, resolve isto com mais uma taxa, a turística, é quase cómico, se não fosse triste…