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Fact Check Madeira

Estarão madeirenses e açorianos a pagar custos de soberania como diz o líder PSD-M?

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Miguel Albuquerque, no encerramento do XIX Congresso do PSD-Madeira, falou em pouca-vergonha” de políticas praticadas pela República: “Até os custos de soberania são pagos pelos contribuintes da Madeira e dos Açores.” Mas será mesmo assim?

Para verificarmos a veracidade das palavras do presidente do PSD-M, temos de clarificar alguns conceitos e correntes de opinião política. No entanto, não é nosso objectivo fazer um estudo de ciência política, nem responder à luz de tal ciência. Pretendemos somente saber se é possível, à luz de algum conceito vigente, dizer que os contribuintes das duas regiões insulares pagam custos de soberania.

Para começar, é necessário distinguir órgãos de soberania de funções de soberania.

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 110.º dispõe: “São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.”

Ora, no entanto, para se saber se as Regiões Autónomas estão a pagar custos de soberania, não basta olhar à despesa com os órgãos de soberania, mas, acima de tudo, às suas funções, em especial à do Governo.

Sobre as funções de soberania, socorremo-nos de um estudo do Instituto de Defesa Nacional de Janeiro de 2013, intitulado ‘A Defesa Nacional no contexto da reforma das funções do Estado’. É dito: “Há um núcleo vital constituído precisamente pelas funções de soberania: a política externa, a defesa nacional, a segurança interna, a justiça e as informações, estão nesse núcleo. São estas, a par da fiscalidade, as funções fundacionais do Estado moderno e aquelas sem as quais não podemos falar de um Estado soberano.”

No dia 21 de Novembro de 1996, o deputado eleito pelo PSD no círculo da Madeira, Guilherme Silva, numa reunião da Assembleia da República, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, defendia: “É necessário que se reflicta um pouco em toda esta questão que vem sendo designada de custos da insularidade, ou seja, a questão relativa às dotações e previsões de receitas que a nível do Estado devem ser asseguradas e transferidas para as regiões autónomas, porque penso que também aqui há um problema de custos de soberania. Portugal tem a soberania das ilhas que integram as regiões autónomas, que não são apenas territórios mas, sim, territórios com comunidades nacionais, com portugueses, e tem, ou deve ter, em relação a essas comunidades as mesmas obrigações que tem em relação ao restante da comunidade nacional.”

Em Julho de 2020, o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, em texto publicado no jornal Observador defendeu: “Importa que a República entenda que os custos de insularidade são, constitucionalmente, custos de soberania e que, portanto, devem ser suportados pelo Estado.”

“O que se verifica com o incumprimento do princípio da continuidade territorial, em especial, com a mobilidade aérea e marítima, é uma desconsideração para com os portugueses das ilhas que precisa de ser ultrapassada, rapidamente, sob pena de nos sentirmos cidadãos discriminados no seio da Nação.”

Em Junho de 1985, numa resolução da Assembleia Legislativa dos Açores (Resolução 20/85/A, de 12 de Agosto), era manifestado entendimento semelhante: “Os custos da insularidade são equiparáveis a outros custos de soberania - como, por exemplo, os que sustentam a administração da justiça, as Forças Armadas, a representação diplomática.”

Na Lei das Grandes Opções para 2022-2026 (Lei n.º 24-C/2022 de 30 de Dezembro) é afirmado: “A concretização do domínio ‘funções de soberania’ requer a implementação de um conjunto de políticas públicas centradas nos seguintes eixos:

• Preparar a defesa nacional para os desafios da década 2020 -2030;

• Robustecer a segurança interna;

• Uma justiça eficiente, ao serviço dos direitos e do desenvolvimento económico-social.”

No âmbito da Defesa, entre muitas outras, está incluída a assistência na doença aos militares; na Segurança, o investimento em equipamentos e infra-etruturas; e a protecção civil, o que faz com que seja a República a reconhecer tais despesas como integradas nas funções de soberania.

Ora, impõe-se analisar a parte subjectiva e a objectiva.

A parte subjectiva consiste em saber exactamente que despesas devem de estar integradas como custos de soberania. Os custos de insularidade são, na perspectiva das Regiões Autónomas, uma responsabilidade total do Estado, mas, esse aparenta não ser o entendimento de Lisboa.

Como se viu, é o próprio Estado que integra as despesas de protecção civil como funções de soberania, mas, como é público e claro, as Regiões assumem tais despesas e, no caso da Madeira, há o meio aéreo de combate a incêndios (algo especificamente referido na Lei das Grandes Opções para 2022-2026).

Outro exemplo pode ser dado na área da segurança. A despesa para a modernização da frota automóvel da polícia sai dos cofres da Região. É verdade que resulta das multas cobradas pela PSP, mas são da Região e pagas por madeirenses.

O Estado assume, na Região, o pagamento das forças militares e de segurança, os tribunais (mas não os serviços de justiça), apenas parte do sistema fiscal (é descontada uma percentagem dos impostos a título de despesa de cobrança), a Universidade (o edifício é da Região, que não é ressarcida)... No entanto, mesmo dentro das forças armadas e de segurança, o Estado não tem assumido a as despesas de saúde (nos hospitais da Região), nem a comparticipação de medicamentos.

É verdade que, salvo raras excepções, como a sobretaxa de IRS, cobrada durante anos e que foi para os cofres nacionais, todos os impostos cobrados ou gerados na Região são receita desta (impostos, não contribuições para a Segurança Social), o que determina que as regiões não contribuam financeiramente para, por exemplo, as forças armadas, como os cidadãos do continente.

É também dos cofres e dos contribuintes do continente que saem as verbas do Estado para as Regiões, ao abrigo da Lei de Finanças das Regiões, e outras ao abrigo de outros diplomas legais.

Neste momento, por exemplo, a Madeira recebe parte das despesas que tem com a construção do novo hospital central. Os Açores têm direito a verbas para recuperar da tempestade Lorenzo. Mais exemplos poderiam ser dados.

No entanto, apesar de não haver consenso quanto a todas despesas, em concreto, que devem de ser assumidas pelo Estado, há algumas que são unânimes e que estão, no caso da Madeira, a ser pagas pela Região. As despesas e comparticipações na saúde das forças militares e de segurança, os equipamentos na área da segurança e despesas na área da protecção civil são exemplos, que fazem a afirmação de Miguel Albuquerque ser verdadeira.

Esta avaliação é somente ao conteúdo da afirmação e não se esta ou aquela despesa é de soberania e se deve ser paga pela Região ou pelo Estado.

“Até os custos de soberania são pagos pelos contribuintes da Madeira e dos Açores” – Miguel Albuquerque – no encerramento do XIX Congresso do PSD-M