Narrativas económicas falsas
Já ouviu falar de narrativas económicas? Mesmo não estando familiarizado com o termo, é fácil concordar que, nos dias que correm, não podemos ignorar determinados fatores económicos que estimulam a economia, nomeadamente “o que se diz” tanto de boca em boca como nos meios de comunicação social e nas redes sociais sobre determinados assuntos que fazem mexer a economia. É que estes relatos, histórias e experiências podem influenciar as decisões das pessoas.
Shiller, Prémio Nobel da Economia em 2013, publicou seis anos mais tarde um livro sobre as narrativas económicas. O autor define-as como “uma história contagiosa que tem o potencial de mudar a forma como as pessoas tomam decisões económicas”. Aborda o fenómeno das bitcoins, que vieram impor substanciais mudanças à economia global, e dá exemplos onde a especulação dos preços resulta de narrativas económicas que se tornam virais, como acontece com o mercado imobiliário, mas também com a conjuntura atual, que pode por exemplo determinar a contratação ou não de um colaborador por parte de uma entidade empresarial.
Na verdade, as narrativas económicas podem assumir um papel determinante. Se vamos comprar casa, estaremos naturalmente atentos ao mercado imobiliário e podemos mudar de opinião quanto à localização do imóvel se nos depararmos com convincentes narrativas desfavoráveis à nossa primeira opção. Podemos mesmo optar pelo arrendamento e não pela compra, se os prenúncios sobre o mercado de arrendamento forem bastante favoráveis para os próximos anos. Ao contrair um empréstimo bancário, podemos também tomar decisões importantes consoante o que é publicado nos diferentes canais sobre taxas de juros e afins. E o mesmo se aplica a investimentos, seja em criptomoeadas, na bolsa de valores ou de outro género.
Até aqui, tudo normal. Queremos sempre saber mais sobre assuntos do nosso interesse. O pior é que pode haver aproveitamento desse interesse. Não precisamos de ser especialistas em economia para perceber que, se uma falsa narrativa não for detetada, esta pode – até certo ponto – trazer benefícios para quem a propaga. É que muitas vezes as narrativas económicas desinformativas circulam com sucesso, apesar de o seu único propósito ser enganar. Como tal, têm características próprias: apresentam números de grande magnitude, linguagem técnica suavizada e estatísticas manipuladas, conforme resume um artigo publicado na plataforma espanhola Newtral.
E isto não acontece apenas com as narrativas económicas, mas com qualquer tipo de narrativa falsa. Estas são uma forma de desinformação usada muitas vezes para desviar as atenções de informações que circulam em diferentes canais, nomeadamente nos media e em canais de interação social online.
Todos nos recordamos das consequências de algumas “fake news” que circularam durante a pandemia da Covid-19. Infelizmente, devido a narrativas falsas sobre vacinação e curas milagrosas, registaram-se mortes. Em plena crise sanitária, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou que a crescente onda de “informações incorretas” fosse uma das inimigas da luta contra a pandemia. E a Organização Mundial de Saúde adotou o termo infodemia para descrever a circulação descontrolada de desinformação.
Tanto antes da pandemia como durante e no pós-Covid-19, a União Europeia tem-se mostrado atenta à problemática da desinformação. Merece destaque o financiamento de vários projetos na área, nomeadamente um recente que se destina a aprofundar a compreensão da desinformação sobre guerra, eleições e questões de género.
Da nossa parte, embora muitas vezes não seja fácil distinguir as narrativas falsas das verdadeiras, cabe-nos estar atentos e não nos deixarmos contagiar por tudo o que se propaga sem antes validar os conteúdos. Ainda assim, é frustrante a sensação de impotência por não conseguir travar a proliferação de desinformação e, pior ainda, sofrer consequências devido a determinadas tendências.