Democracia e Liberdade
Chegamos a abril, mês da comemoração dos 50 anos da Democracia.
Democracia conquistada, mas, por vezes, ensombrada, ou mesmo assombrada, por resquícios de outros tempos em que a liberdade era uma utopia. Ainda que assumindo contínuos desafios à democracia, e que a liberdade desejada possa continuar uma miragem, é isso que nos impele a ter a ousadia e a coragem de continuar a trilhar o caminho rumo à sociedade cada vez mais livre e justa que sonhamos.
Não podemos esquecer que a palavra-chave do 25 de Abril de 1974 é Liberdade. Uma liberdade que se quer reflexo da definição preconizada pelo filósofo grego Aristóteles, em que, no seu conceito de liberdade, referia a interdependência entre a ética e a política, defendendo que a maior virtude que a política pode proporcionar é a felicidade, residência fixa da liberdade.
Passado meio século do surgimento da democracia em Portugal, será que podemos afirmar que a liberdade tão ansiada pelos nossos pais e avós cumpriu as expetativas ou ficou aquém do que foi sonhado? Que promessas e ambições ficaram por cumprir?
São questões que não têm uma resposta única, variando consoante o percurso de vida de cada um e dos seus antepassados, mas há algo comum a todos nós, é que, em algum momento, não pudemos ser livres. Quer seja a nível pessoal, profissional ou político, há momentos em que constrangimentos e obstáculos impedem uma verdadeira e plena liberdade.
Porque, passados 50 anos da Revolução dos Cravos, continua por se concretizar de forma mais vincada a igualdade, a justiça e a solidariedade social. Persistem falhas e lacunas na forma de olhar os idosos, as mulheres e os jovens. Falta chamar os excluídos ou ignorados a fazerem parte da vida em comunidade, a serem ouvidos e tidos em consideração na ação e decisão políticas. Ou seja, ainda não se concretizou plenamente a sociedade com efetiva participação dos cidadãos, plural, inclusiva e solidária, que muitos almejam. Uma sociedade para todos, com todos.
Para que se cumpra Abril, a liberdade tem de rimar com igualdade, pois, como disse Francisco Sá Carneiro: “O valor essencial da liberdade sem a igualdade torna-se aristocrático privilégio de uns quantos”.
As conquistas do 25 de Abril não são realidades estanques, não são um dado adquirido e imutável. É preciso um olhar sempre atento a todas e quaisquer ameaças que possam comprometer a liberdade conquistada. A memória não nos pode atraiçoar, pois o perigo de surgirem discursos arcaicos, retrógrados, e que contradizem toda uma evolução social, política e cultural, não é um cenário inverosímil, mas sim um perigo que chega. Há que traçar linhas vermelhas a tudo e todos que impeçam construir um futuro com tolerância, dignidade e respeito pela diferença, seja ela qual for.
A política, como a vida em si, é feita de escolhas, umas mais livres, outras condicionadas. E nunca poderemos pactuar com projetos que ponham em causa valores essenciais e que são o primado da democracia. Também temos de ter a verticalidade e respeito pelos princípios fundamentais que norteiam a nossa forma de ser, estar e entender a vida em sociedade.
Recentemente, perdeu-se, na nossa Região, uma crucial oportunidade para fazer diferente, tendo por base as pedras angulares da ética e credibilidade. Falo de um movimento que se prontificou, com espírito de missão, e num verdadeiro compromisso com a cidadania, no sentido de iniciar um novo ciclo político ao serviço das pessoas. Sob a liderança de Manuel António Correia, contava com a garra e saudável irreverência da juventude, aliada à vasta experiência de muitos cidadãos, conhecidos ou anónimos, a base do partido, que não pode ser ignorada, pois são a verdadeira grandeza do Partido Social Democrata na Madeira. Não foi possível, todos nós sabemos as razões. Mas não é irrelevante que quase metade dos militantes quisessem outra via…
Agora, é tempo de (re)pensar no que é melhor para o Partido Social Democrata, e, sobretudo, para os madeirenses e porto-santenses. Tem de ser esse o nosso foco, por mais difíceis que sejam certas decisões, não podemos deixar de acreditar que ainda é tempo para um futuro melhor. Temos com o voto a capacidade de influenciar o nosso destino comum, com responsabilidade e moderação, sem extremismos.
Um futuro que replique e efetive o compromisso de Luís Montenegro, no seu discurso de tomada de posse, no passado dia 2 de abril, como Primeiro-Ministro no XXIV Governo Constitucional da República Portuguesa: “Promoveremos uma governação séria, transparente e que combate a corrupção (…)”.
A letra do hino do PPD/PSD, mandado fazer por Sá Carneiro em 1974, tem de continuar atual: “Todos sempre unidos no caminho da verdade”. Todos, todos, todos? Sim, no sentido de que há que ouvir não só os militantes, promovendo a unidade, com respeito pela diversidade, mas também estarmos atentos à sociedade civil, entender o que o povo pensa e quer. Caso contrário, ao se insistir no afastamento face ao povo, poder-se-á facilmente desembocar em tempos sem “paz, pão, povo e liberdade“.
Este não é um texto pessimista, pois, sem escamotear o muito que ainda precisa ser feito, mesmo sabendo que ainda temos de resolver vários problemas coletivos, há que reconhecer que foi percorrido um longo caminho que deu voz a todos nós. Uma voz que não cede a tentativas de silenciamento, e que triunfará sempre, pois este é e será sempre o tempo da esperança, de vivermos sem medos e olharmos o futuro com confiança.
E num texto em que se fala do 25 de Abril, não posso terminar sem responder à pergunta: “Onde é que tu estavas no 25 de abril?”. Estava em São Vicente, a três dias de celebrar quatro anos de vida, e só tenho memórias desse dia, e dos que se seguiram, contadas pelos meus pais e avós. O que não me impede de entender o significado histórico de um dia que mudou Portugal.