Será que o Chega fecha mesmo a porta a um acordo com o PSD na Madeira?
O Chega divulgou hoje uma nota de imprensa onde se anuncia como “o único partido que, abertamente e por várias vezes, já rejeitou entendimentos de qualquer espécie com o PSD” na Madeira. O respectivo líder, Miguel Castro, acusa todos os outros partidos de “covardia”, por “estarem disponíveis para ajudar o PSD a continuar a ser governo” e por isso “não serem uma alternativa para a mudança política na Madeira”. Será que é mesmo assim?
A posição do Chega surge já em ambiente pré-eleitoral, um dia depois de serem conhecidas as 14 forças que se candidatam às eleições regionais antecipadas de 26 de Maio. Nas últimas duas eleições regionais, o PSD não obteve maioria absoluta nas urnas. Para garantir a aprovação das suas medidas, em Setembro de 2019 teve de fazer um acordo de coligação para um Governo Regional com o CDS. Mas essa fórmula não foi suficiente para garantir a maioria nas eleições de Setembro de 2023. Aí, além de manter o CDS no executivo, o PSD fez um acordo parlamentar com o PAN e a sua deputada Mónica Freitas. A vencer as próximas eleições, Miguel Albuquerque tem dito por várias vezes que, se necessitar, está aberto a negociações com todos os partidos inscritos no Tribunal Constitucional.
Quanto à posição do Chega, ao contrário da ideia que tem transmitido nos últimos dias, o partido manifestou, por várias vezes e em diferentes momentos, disponibilidade para ajudar o PSD na Madeira. Em Fevereiro de 2021, em plena pandemia, o líder nacional, André Ventura, veio ao Funchal e fez questão de se reunir com Miguel Albuquerque na Quinta Vigia e com José Manuel Rodrigues na Assembleia Legislativa, a quem prometeu colaboração em matéria de Centro Internacional de Negócios, revisão da Lei de Finanças Regionais, criação de um sistema fiscal próprio e apoios para enfrentar a crise pandémica. “Continuaremos ao lado da Madeira em alguns aspectos fundamentais da sua defesa e da sua Autonomia”, referiu o dirigente do Chega, que nessa altura só tinha deputados na Assembleia da República e no parlamento açoriano. Na outra região autónoma, desde o ano 2020, os dois deputados eleitos pelo Chega ajudavam a segurar, através de um acordo parlamentar, a coligação no Governo Regional (PSD, CDS e PPM).
A 27 de Janeiro de 2023, já com eleições regionais à vista, o Diário de Notícias de Lisboa publicava uma análise ao tema e anunciava em título que “Ventura estende a mão a Albuquerque para formar governo na Madeira”. “Seremos sempre parte da solução e nunca parte do problema. Se esse cenário [o PSD não conseguir maioria] se vier a verificar, o Chega avaliará se há condições políticas para formar governo com o PSD”, referiu, na altura, o líder nacional, que admitia a existência de “negociações” com Albuquerque e “formar governo” mas nunca o eventual acordo nunca seria “nos mesmos moldes do que existe nos Açores’”. No mesmo artigo, o líder regional, Miguel Castro, assegurava: “Nunca será pelo Chega que a Madeira ficará ingovernável. Muito pelo contrário, queremos ser parte da solução e nunca um problema. Iremos sentar-nos à mesa e obviamente conversar. Viabilizando uma solução de governo na Madeira, o Chega não abdicará de participar e de estudar e aprovar, ou reprovar os actos governativos”. O partido revelava ainda o seu “caderno de encargos” para viabilizar um Governo Regional do PSD. As exigências eram as seguintes: “Combate à corrupção”, “redução de impostos e da carga fiscal sobre o trabalho, IRS e IVA”, “maior fiscalização à subsidiodependência”, “resolução da linha marítima com o continente, de passageiros e de cargas” e “reajustar o subsídio de mobilidade [transporte aéreo] para os madeirenses e porto-santenses”.
Dois meses depois, no final de Março de 2023, numa entrevista ao DIÁRIO, Ventura voltava a colocar o seu partido ao dispor do PSD na Madeira, com a exigência de fazer parte do Governo Regional e não apenas através de um acordo no parlamento, como acontecia nos Açores. “O Chega só estará em qualquer acordo com presença governativa (…). Não faz sentido fazermos acordos parlamentares, em que só estamos ali para levantar o braço, para baixar o braço e aceitar todos os erros do Dr. Miguel Albuquerque e do PSD. Portanto, isso não vai acontecer”, avisou.
Mas para encontrarmos declarações de dirigentes do Chega a admitir um acordo com o PSD na Madeira não é preciso recuar anos, meses ou semanas. Ainda no início deste mês, a 2 de Abril, no programa ‘Parlamento’ da RTP-Madeira, Miguel Castro admitia que “em nome da estabilidade dos cidadãos madeirenses” era possível que os deputados do seu partido viessem a aprovar um orçamento de um Governo Regional minoritário do PSD. Colocou, contudo, apenas uma condição: o líder desse executivo nunca poderá ser Miguel Albuquerque. E explicava porquê: “O Chega tem como sua principal bandeira o combate à corrupção. Nós temos um candidato que é presidente do Governo Regional. Provavelmente se ganhar as eleições, poderá formar governo. Mas que está constituído arguido num processo de corrupção. Obviamente que o Chega não poderá entrar numa situação destas, até porque não conhecemos o processo. O Chega não fará qualquer acordo com Miguel Albuquerque. Fique aqui bem claro. Não faremos qualquer acordo com Miguel Albuquerque como presidente do Governo. O não é não. Como foi na República. O não é não para o Governo. O não é não para qualquer solução que envolva Miguel Albuquerque ainda como arguido, envolvido nesta situação. Depois, se não houver envolvimento de Miguel Albuquerque, nesta situação, o caso seria outro”.
Miguel Albuquerque devia ter tido a coragem de formar governo com os votos que os madeirenses tinham dado àquela coligação, porque pode-se governar com minoria e com acordos parlamentares. Eu até acho que a governação com acordos parlamentares é mais democrática. O Chega, como todas as forças políticas, na anterior legislatura obviamente que teria nessa época teria [feito acordos parlamentares] desde que fossem pelos interesses dos madeirenses. O Chega está aqui para fazer política séria. Miguel Castro, a 2 de Abril, no programa 'Parlamento', da RTP-Madeira
No mesmo programa, o jornalista Gil Rosa colocou a questão se Miguel Castro estaria disponível para um acordo parlamentar que possa ser necessário para viabilizar um orçamento. Na resposta, o líder regional do Chega voltou a deixar o cenário em aberto: “Logo vemos. Sempre em nome da estabilidade dos cidadãos madeirenses, mas nada com Miguel Albuquerque”.
Ou seja, os dirigentes do Chega nunca fecharam a porta a um acordo de governação com o PSD-Madeira, mas têm mudado, ao longo dos tempos, as exigências que fazem para a concretização desse entendimento.