Como pretende o Governo de Montenegro valorizar os salários?
Nos últimos anos a evolução do salário mínimo nacional tem sido, para muitos, positiva. Mas, para uma outra parte dos que não estão na parte de baixo da cadeia salarial, os que estão pouco acima ou pouco abaixo do salário médio, têm visto cada vez mais a sua situação financeira degradar-se. É uma evidência já demonstrada em diversas ocasiões. Contudo, será que o actual Governo da República (a que se seguirá o Governo Regional da Madeira, seja ele qual for que saia das próximas eleições) também pretende continuar a marcha que colocou o salário mínimo nacional em 2024 nos 820 euros (850 na Região)?
"O governo actual havia definido como meta o aumento do salário mínimo nacional dos actuais 820 euros, em 2015 eram 505 euros, para 900 euros até 2026. Nós propomos que, no final da próxima legislatura, em 2028, o salário mínimo atinja, pelo menos, os 1.000 euros", anunciava Pedro Nuno Santos, a 8 de Janeiro, no discurso de encerramento do 24.º Congresso Nacional do PS, em Lisboa. Dois meses depois, com a eleição realizada a 10 de Março, quem acabou por ganhar foi a AD (PSD/CDS/PPM) liderada por Luís Montenegro, que tinha como metas, neste particular, uma valorização substancial, 'acompanhando' as ideais socialistas.
Ora, no programa eleitoral da AD podia-se ler:
- Aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para um valor de 820 euros em 2028, tendo como objetivo a equiparação ao valor do salário mínimo nacional, na legislatura seguinte;
- Aumentar o salário mínimo nacional para 1.000 euros, em 2028, e aumentar o salário médio para 1.750 euros, em 2030, com base em ganhos de produtividade e diálogo social;
- Estabelecer uma isenção de contribuições e impostos sobre prémios de produtividade por desempenho no valor de até 6% da remuneração base anual (correspondendo, dessa forma, a um 15º mês, quando aplicado). A isenção aplica-se à totalidade ou parte do prémio até este limite;
- • Reduzir a população com contrato a termo;
- • Aumentar a percentagem de população em idade ativa a participar em atividades de educação e formação.
Mais à frente, nas medidas dizia que para "dignificar o trabalho e o emprego, combater a pobreza e a precariedade" pretendiam "garantir o aumento do salário mínimo para 1.000€ até ao final da legislatura e criar condições a evolução do salário médio para 1.750€ até ao final da presente década, baseada na soma da inflação à totalidade dos ganhos de produtividade", ambicionando "salários e rendimentos mais elevados para todos, e não apenas no salário mínimo", uma vez que este é um país com "cada vez mais pessoas a receber salário mínimo e compressão salarial".
Ainda mais à frente, antes de ser Governo e de ter um programa agora aprovado (na última semana) no Parlamento, a intenção da AD passava por "redistribuir não acompanhada de igual preocupação com a criação significativa da riqueza que a possa suportar. A diferente visão para os salários é exemplificativa. O Partido Socialista foca-se apenas no salário mínimo, aceitando a compressão do diferencial para o salário médio e a pobreza entre os trabalhadores, e enuncia como objetivo e métrica maior de longo prazo aumentar o peso relativo dos salários no PIB (qualquer que ele seja). O foco da AD é em aumentar os rendimentos de todos, incluindo os mais baixos do trabalho e os dos pensionistas, mas igual, e paralelamente, os da classe média. A AD quer que a fatia dos salários cresça, não necessariamente por redução da fatia do rendimento de capital, mas por aumento do tamanho total do bolo em que ambos participam".
Dito assim, fica fácil perceber as 10 Orientações Estratégicas, que agora tem a possiblidade de implementar, com reflexos em todo o país.
- 1. Ampliar as condições de efetiva liberdade económica, para alcançar uma economia mais flexível, mais concorrencial, com menos impostos e menores distorções. As restrições à liberdade económica e incentivos específicos são aceitáveis desde que adequadamente justificadas com base na análise de externalidades e outras fontes geradoras de falhas de mercado;
- 2. Aumento da produtividade assente na melhoria contínua do capital humano, como condição da melhoria da competitividade da economia portuguesa e do seu crescimento sustentável;
- 3. Assegurar níveis de proteção social robustos, principalmente para os mais desfavorecidos, e com incentivos adequados;
- 4. Garantir os mecanismos de mobilidade social, assegurando a igualdade de oportunidades assente na efetiva igualdade no acesso a Educação de qualidade;
- 5. Criação de condições para atração de investimento privado (nacional e estrangeiro em setores reprodutivos) e para o aumento das exportações de maior valor acrescentado;
- 6. Garantir a prioridade da sustentabilidade ambiental, social, económica e financeira de uma economia que participa nas transições ambiental, energética e digital;
- 7. Assegurar que a economia portuguesa caminha para a fronteira da inovação e da criação de riqueza;
- 8. Perspetivar uma economia social de mercado, que aceita a complementaridade entre ofertas pública, privada e social, sem promover substituições forçadas, e acautelando falhas, quer de mercado, quer de intervenção pública, de modo a maximizar os retornos em termos de bem-estar social, incluindo pelo efetivo acesso à saúde, incluindo saúde mental;
- 9. Gestão de recursos pelo Estado de forma eficiente e olhando a incentivos, desburocratizado, descentralizado e com responsabilização dos seus agentes, colocando o foco nas pessoas que são servidas e na acessibilidade e qualidade dos serviços que lhes são prestados, e não no aparelho que as serve ou no modo concreto de provisão;
- 10. Responsabilidade e sustentabilidade orçamental, assente numa consolidação orçamental estrutural (ao contrário do que foi feito entre 2015 e 2019 e entre 2022 e 2024, que foi meramente conjuntural) que permita melhores serviços públicos financiados por menos impostos e uma gestão prudente da dívida pública.
A AD dizia ainda que pretendia "garantir o aumento do salário mínimo nacional em linha com a inflação mais os ganhos de produtividade como regra geral, e criação de uma comissão técnica independente sobre o 'Salário Digno' que analise e avalie o impacto da subida do SMN no emprego (que motive desvios à regra geral) e que proponha políticas a médio prazo tendo em vista a redução da pobreza e a dignidade no emprego dos trabalhadores com baixos salários", advoga.
Chegado ao Governo e com o Programa aprovado, eis algumas passagens do que pretende concretizar.
Assim, começa por traçar o cenário que a muitos não é estranha. "Na área do trabalho e emprego, Portugal é sistematicamente apontado como um país onde se trabalha longas horas, sem grande produtividade, e por baixos salários, não apenas pelo peso do salário mínimo mas porque o valor do salário médio não é muito superior ao valor do salário mínimo. Assim, embora a taxa de desemprego seja baixa, a qualidade do emprego não é boa, o que explica, aliás, o preocupante fenómeno de fuga de talento jovem e qualificado para outros países, em busca de melhores condições", refere.
Em específico no que toca aos salários, o Governo "compromete-se" a "incentivar ativamente o trabalho e o emprego, em todas as suas formas, e aumentar a produtividade. Em Portugal o valor do salário médio é muito próximo do valor do salário mínimo e há poucos incentivos à produtividade. Aumentar o salário mínimo nacional para 1.000 euros em 2028 é, pois, um objetivo do Governo, mas também promover as condições para sustentar o aumento do salário médio para 1.750 euros, em 2030, com base em ganhos de produtividade e no diálogo social", estabelece a ideia já expressa no seu programa eleitoral. E acrescenta: "Aumentar a produtividade com medidas como a isenção de contribuições e impostos sobre prémios de produtividade por desempenho no valor de até 6% da remuneração base anual (correspondendo, dessa forma, a um 15.º mês, quando aplicado), até à diminuição da carga fiscal sobre as empresas."
Na verdade, repete praticamente tudo o que já estava no Programa Eleitoral, mas mais em específico, o Governo de Luís Montenegro faz depender a valorização salarial da produtividade. "A sustentada e geral melhoria dos salários depende do aumento da produtividade da economia, sem a qual os incrementos dos salários mínimos conduzirão a uma compressão do diferencial face aos salários médios e medianos", refere. Por isso, "importa realizar as reformas estruturais que acelerem a produtividade que viabiliza o aumento dos salários", defende.
Remuneração bruta mensal média por trabalhador aumentou para máximo histórico
No 4.º trimestre cresceu 5,6%, para 1.605 Euros, enquanto que a média anual cresceu 6,5% para os 1.439 Euros
Entre medidas, "é também urgente baixar a elevada carga fiscal sobre o trabalho (o IRS) que erode o valor líquido dos salários e desincentiva o esforço e melhores desempenhos. Com efeito, a principal prioridade na redução da carga fiscal é o desagravamento, significativo, do IRS, especialmente sobre jovens e classe média", refere. "Esse esforço fiscal concretiza-se, em primeira linha, através de:
- Redução do IRS para os contribuintes até ao 8º escalão, através da redução de taxas marginais entre 0,5 e 3 pontos percentuais face a 2023, com enfoque na classe média;
- Adoção do IRS jovem de forma duradora e estrutural, com uma redução de dois terços nas taxas de 2023, tendo uma taxa máxima de 15% aplicada a todos os jovens até aos 35 anos, com exceção do último escalão de rendimentos;
- Isenção de contribuição e impostos os prémios de desempenho até ao limite equivalente de um vencimento mensal; e
- Obrigação legal de atualização dos escalões e tabelas de retenção em linha com a inflação e o crescimento da produtividade.
Ainda que esteja desactualizada, é possível que no final deste próximo acto eleitoral, o Governo regional que surgir após 26 de Maio seja o mesmo do partido actualmente no poder. Assim, olhando ao Programa que tinha sido aprovado no final de 2023, após as eleições de 24 de Setembro, pretendia-se "promover a valorização do trabalho, assegurando a política de acréscimo aos valores do salário mínimo nacional, com vista ao crescimento dos demais salários e melhoria dos rendimentos dos trabalhadores".
Diz ainda o documento do XIV Governo Regional que "foram quatro anos em que se continuou a fazer a devolução de rendimentos aos cidadãos, às famílias e às empresas (mais de 80% das famílias, na Madeira, têm, neste momento, uma devolução de rendimentos, pela via fiscal e o mesmo se aplica às empresas, onde o diferencial é de 30% relativamente ao continente, ou seja, uma devolução de rendimentos na ordem dos 95,8 milhões de euros»), o reforço das políticas sociais, a finalização de projetos estruturantes, a reafirmação do investimento público e a adoção de um conjunto de políticas inovadoras e socialmente relevantes", que pretendi reforçar nos quatro anos seguintes. Resta saber o que virá a seguir.
É verdade que o salário médio na Madeira é 300 euros mais baixo do que a média nacional?
"No 4.º trimestre de 2022, a remuneração bruta total mensal média por trabalhador (por posto de trabalho) aumentou 4,2% em relação ao mesmo período de 2021, situando-se nos 1.515 Euros", enquanto que a remuneração regular e a remuneração base subiram 4,1% e 4,0%, atingindo, respectivamente, 1.124 e 1.076 Euros". Esta passagem retirada do 'Em Foco', publicado pela Direcção Regional de Estatística da Madeira (DREM) a 9 de Fevereiro de 2023, revelam os últimos dados oficiais sobre as remunerações na RAM para os trabalhadores por conta de outrem.
Resta saber se o salário mínimo regional que, em 2004, ascendia a 372,91 euros, crescendo em 2014 para 515,10 euros, representando um aumento de 38,1% numa década. Dez anos depois, o salário mínimo regional é de 850 euros, revelando uma evolução de quase 128% (mais do dobro de há 20 anos) e 65% acima de 2014. Ou seja, caso haja uma evolução para os 1.000 euros em 2028 (no país) e 1.020 euros (na Madeira, a manter-se o tradicional complemento regional de 2%), dentro de quatro anos, face ao actual cenário, terá ocorrido um incremento de 20%, à média de 5% ao ano.