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Crónicas

A felicidade como construção pessoal

A felicidade também se constrói, nas nossas decisões, na forma como lidamos com determinadas situações, no que queremos para a nossa vida e na vontade de sermos mais preenchidos

Gosto de quem se constrói na procura da felicidade pessoal e dos outros. Acredito que esse deve ser um principio através do qual baseamos as nossas decisões e fazemos as nossas escolhas. Há quem a experimente de forma momentânea e quem a solidifique no tempo encontrando razões para que ela se instale de forma mais permanente. Mas há também quem encontre sempre formas de a esconder ou de não lhe dar assim tanta importância. Os que acham que não a merecem e os que se entregam ao destino sem se arrogar ao direito de a procurar. No passado era normal aceitarmos a nossa condição de vida e as consequências das decisões como se de um fardo se tratasse, sem que houvesse ou pudesse haver volta a dar. Tanta gente que se apagou, se resignou e aceitou relações tóxicas, casamentos frustrados, comportamentos profissionais abusivos, violência física e emocional sem se conseguir libertar das amarras do que estava aparentemente consignado. Sem volta a dar.

Talvez também por isso hoje em dia existam mais divórcios, mais novos recomeços, alterações de circunstancias, percursos profissionais de sucesso que são largados em busca de uma maior qualidade de vida, da importância que é valorizada do que temos para viver e para entregar a nós e a quem nos rodeia. Há poucas coisas piores e mais angustiantes do que estarmos a trabalhar num sítio que não gostamos, a fazer o que não queremos, com gente que não nos respeita. Da mesma forma uma relação entregue ao vazio, à falta de comunicação, de empatia ou cumplicidade. Viver num deserto de momentos que fazem a diferença, numa monotonia dilacerante que não acrescenta, não desenvolve e não sai dali. E quantas vezes não ficamos ali tempo a mais, não conseguimos tomar decisões com receio do desconhecido, deixamo-nos ficar quando é hora de partir para outra. Com isso empatamos os nossos sonhos e reprimimos as nossas vontades à espera que tudo se resolva por si e que o dia seguinte seja melhor.

Se Ortega y Gasset disse um dia que “o homem é o homem e as suas circunstancias”, são elas próprias muitas vezes a ditar o caminho que seguimos. Sem perguntas e com pouca margem para nos transformarmos interiormente, para rasgarmos com o que a sociedade nos diz para fazer e assumirmos as nossas convicções. É nesse contexto em que muitas vezes nos refugiamos para justificarmos a infelicidade ou a falta de força para procurarmos algo de diferente. Mas não tem que ser assim. Nem deve ser assim. Não nos devemos perder onde não somos felizes e onde o que nos entregam é manifestamente pouco para o que estamos à espera e dispostos a oferecer. Nem sempre é imediata, pede alguns sacrifícios e força mental mas no fim do dia acaba invariavelmente por ser recompensadora. A capacidade para colocarmos um ponto final numa história e darmos inicio a uma nova aventura, com todos os riscos e imponderáveis que uma decisão dessas acarreta mas com a saudável magia de nos colocarmos à prova com o objectivo de termos mais para nós.

A felicidade também se constrói, nas nossas decisões, na forma como lidamos com determinadas situações, no que queremos para a nossa vida e na vontade de sermos mais preenchidos. É ela que nos acompanha nos momentos mais perfeitos e na coleção que fazemos desses mesmos momentos. Sem restrições ou frases feitas. Ser feliz devia ser uma condição de vida normal e colocar a nossa felicidade ao serviço de quem gostamos também. E na verdade temos pouco tempo a perder para a conseguir conquistar e para a atrairmos para dentro de nossa casa. Aceitarmos que também nós podemos e merecemos ser felizes e fazer o possível para lá chegar é dos maiores desafios dos nossos tempos.