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As Guardiãs da Tradição

Durante muito tempo, a face visível da emigração madeirense esteve centrada na esfera pública, onde os homens desempenhavam papéis proeminentes, seja como empresários ou em funções de atendimento ao público. Um exemplo dessa realidade pode ser encontrado no imaginário daqueles que crescemos na Venezuela, onde a figura do padeiro madeirense, muitas vezes chamado “João”, mesmo não sendo o seu verdadeiro nome, permanece viva na memória coletiva.

No entanto, no âmbito familiar, as avós desempenhavam um papel fundamental. A minha avó Adelaide foi um elo de ligação crucial na compreensão da cultura madeirense. As tardes passadas a bordar, as panelas de milho a ferver, os bolos do caco e os despiques que entoava quando a família se reunia aos domingos. Todos esses momentos constituem elementos da cultura intangível que são essenciais para preservar a nossa identidade cultural.

Através de um projeto pessoal sobre as memórias de emigrantes que partiram desde São Roque do Faial, tive a oportunidade de conhecer histórias inspiradoras de mulheres que foram verdadeiras pioneiras. Estas mulheres fundaram ranchos folclóricos, associações para promover a cultura madeirense, escreveram livros e destacaram-se como artistas. Maria Natividade da Silva, emigrante no Brasil, escreveu um livro de poemas intitulado “Da Poesia ao Fado”, ilustrado com imagens dos seus próprios quadros, onde a Madeira assumia um papel de destaque, como descreveu no seu poema “O Céu da Madeira”. Numa entrevista à pesquisadora da diáspora madeirense no Brasil, Nelly de Freitas, lembro-me que enfatizava o papel que as mulheres desempenharam: “O quotidiano feminino implicava uma jornada árdua, envolvendo o trabalho doméstico, a gestão de negócios, o atendimento ao público e ainda o bordado. No conjunto dessas ações, as mulheres foram fundamentais para a sobrevivência e sucesso da emigração”.

As bordadeiras do Morro de São Bento, em Santos, entre linhas e agulhas, bordaram uma segunda Madeira, nas encostas que lembravam as ruas inclinadas da sua terra natal. Elas foram embaixadoras do nosso património cultural, tecendo laços entre as comunidades madeirenses.

As mulheres emigrantes madeirenses são testemunhos vivos da coragem, da resiliência e do trabalho incansável, e desempenham um papel fundamental na construção e na disseminação da identidade cultural madeirense ao redor do mundo. É fundamental trabalhar em prol da preservação destas histórias e contribuições, não só como uma forma de homenagear o seu legado, mas também para enriquecer o tecido cultural da nossa ilha e fortalecer os laços com as comunidades madeirenses espalhadas pelos quatro cantos do mundo.