O papel da advocacia na segurança do mercado imobiliário
“Simplex” – como forma de reação aos pesados e intrincados procedimentos, capazes de levar ao desespero o mais paciente dos mortais, Portugal prometeu desburocratizar. Não desiludiu. Há quem acredite que ainda é necessário mais e veja no “Simplex” a cura para todos os males. E há quem acredite que quanto mais se simplificam, mais as coisas ficam na mesma. Nem uma, nem outra.
Creio que os procedimentos e os processos na sua generalidade devem efetivamente ser simplificados ao máximo, desde que não descurem a segurança dos intervenientes – sejam eles particulares ou empresas. A desburocratização não deve ser encarada de forma dogmática, e é necessário admitir que em determinadas situações, a simplificação excessiva vem pôr em risco as garantias dos intervenientes, sobretudo a médio e longo prazo.
As últimas alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados e a Lei dos atos próprios de Advogados e Solicitadores são, em meu entender, exemplos paradigmáticos desta ideologia “Simplex”, que não acautela devidamente o tráfego, neste caso, jurídico.
A tutela do comércio jurídico não pode, em caso algum, ser sacrificada por agendas disfarçadas de soluções descomplexadas. A intervenção do advogado deve ser encarada como uma garantia da legítima expetativa. A par disto, choca-me, por exemplo, que se invista todo o trabalho de uma vida - muitas vezes em país estrangeiro - na aquisição de um imóvel, sem a assessoria de um advogado. Choca-me que cidadãos estrangeiros celebrem contratos-promessa sem conhecer e compreender a situação jurídica dos prédios. Choca-me que se continuem a celebrar contratos de arrendamento ao abrigo de legislação desatualizada (revogada), com consequências não desejadas ao nível da sua duração.
Pelo exposto, encaro com muita naturalidade e otimismo que se torne obrigatória a constituição de advogado em casos específicos, nomeadamente quando estejamos perante: i) Pessoas singulares ou coletivas estrangeiras, na venda ou aquisição de prédio rústico, urbano ou misto, no momento da celebração do contrato-promessa, se o houver, e do contrato final. ii) Pelo comprador na aquisição de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, com recurso ao crédito bancário, no momento da celebração do contrato-promessa, se o houver, e do contrato final. iii) Pelo comprador na aquisição de prédio rústico, urbano ou misto, sempre que do registo predial faça constar quaisquer ónus, nomeadamente, penhora ou hipoteca, no momento da celebração do contrato-promessa, se o houver, e do contrato final. iv) Pelos proprietários, nos contratos de arrendamento urbano. Tratam-se, portanto, de situações que visam a proteção da parte contraente mais exposta ao risco ou mais vulnerável. As legítimas expetativas de quem investe têm de ser protegidas. Não basta celebrar o negócio, é necessário fazê-lo bem. Dito isto, a Ordem dos Advogados (OA) tem de assumir a este nível uma postura ativa. É mais fácil, e francamente mais útil, tentar alargar o âmbito de atuação da advocacia, do que tentar reverter situações passadas. Optando a OA por esse caminho, estou em crer que a nova legislatura na Assembleia da República poderá trazer evoluções a este nível, e o facto da bancada parlamentar do principal partido no poder ter votado (no governo anterior) contra as alterações atrás referidas, poderá ser encarado como um sinal positivo nesse sentido.