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Fact Check Madeira

Acabar com o dia de reflexão pré-eleitoral cativa cada vez mais?

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O tema é recorrente. Sempre que se aproximam eleições e as leis eleitorais impõem os sábados como dia de reflexão, como o de hoje, há quem venha defender o fim desse dia. No domingo passado, dia 3 de Março, por ocasião do seu exercício de voto antecipado, o Presidente da República voltou a deixar uma sugestão feita em 2022, no sentido de ser repensada a existência do dia de reflexão.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o dia de reflexão “tinha uma lógica na eleição para a Constituinte e no início da democracia” e que “o povo português tem demonstrado desde o 25 de Abril uma maturidade e uma sabedoria, antecipando em muito casos aquilo que muitas vezes só se percebe no futuro”.

Estará a posição do Presidente da República em linha com uma opinião cada vez com maior prevalência na sociedade portuguesa?

Para respondermos à questão, tentámos desfocar da espuma dos dias e, por isso, não demos grande relevo às discussões nas redes sociais sobre o tema. Mas não desprezámos os argumentos sobre o efeito das mesmas na discussão sobre o fim do dia de reflexão.

O nosso foco foi, por isso, para artigos de opinião e trabalhos jornalísticos, publicados nos Media portugueses, nos últimos anos.

Comecemos pelo fim.

No jornal Público, de hoje, São José Almeida publica um texto de opinião, em que o título sintetiza tudo: “Dia de reflexão, um arcaísmo absurdo com que é preciso acabar”.

Esta posição acaba por ser uma síntese de várias outras publicadas nos últimos dias e em vários outros períodos que antecederam a realização de actos eleitorais, nos últimos anos. Um exemplo é o texto de opinião de Sérgio Guerreiro, também no jornal Público, de 15 de Janeiro de 2022: ‘29 de Janeiro: o dia da suspensão da liberdade de expressão, vulgo, dia de reflexão’.

À Rádio Renascença, no dia 30 de Setembro de 2019, vários constitucionalistas, incluindo quem esteve na origem da definição do dia de reflexão, vieram defender a descontinuidade desse instituto legal.

Jorge Miranda que, como lembrou a Renascença, “desenhou a lei eleitoral para a Assembleia Constituinte - a base para as leis eleitorais que se seguiram - defende que ‘o mais simples era acabar com o dia de reflexão’”.

“Já existe suficiente experiência eleitoral em Portugal para já não se justificar. Ainda por cima, havendo agora a possibilidade do voto antecipado. É contraditório haver pessoas que votam em plena campanha eleitoral e outras que só votam depois do tal dia de reflexão.”

O constitucionalista complementou: “Eu fui o pai da lei eleitoral para a Assembleia Constituinte, que foi a base de todas as que se seguiram. Realmente, em 75 e 76, justificava-se o dia de reflexão por ser um período muito agitado e de grande perturbação. Hoje, vivemos uma fase de estabilidade e tranquilidade e, por isso, acho que não se justifica.”

Pedro Bacelar de Vasconcelos assumiu uma posição semelhante: “A minha opinião, porém, é a de que é hoje perfeitamente dispensável. A ideia de impor uma pausa era uma preocupação que, em 76, parecia adequada, atendendo a que estávamos a sair de um período agitado. A experiência mostra que isso já não ocorre e, por isso, penso que numa futura oportunidade haverá toda a conveniência em reflectir sobre a necessidade de manter essa pausa.”

Assembleia da República é soberana

Presidente da República e constitucionalistas recordam o óbvio. Independentemente das opiniões, que existam, essa é uma matéria da exclusiva competência da Assembleia da República.

Ora, o Parlamento nacional já debateu o tema. Foi em 2021, na sequência de uma proposta nesse sentido do Iniciativa Liberal (IL), que também previa que as eleições acontecessem em dois dias.

O texto foi debatido em simultâneo com o de outras iniciativas, relacionadas com as leis eleitorais e passou várias fases, nomeadamente, sofrendo uma alteração na Comissão de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que haveria de ser aprovada pela maioria absoluta dos deputados, mas nunca chegou a lei.

Nessa altura, a Assembleia Legislativa da Madeira nem disse que sim, nem que não. A conclusão do parecer, assinado por Jacinto Serrão, depois de constatar que, hoje, não é possível eliminar, por exemplo das plataformas na Internet, a propaganda pré-existente, era: “Assim sendo e juntando a isso o facto de a tradição eleitoral em Portugal ser superior a quatro décadas, revelando robustez e civismo próprios de países democráticos, pode-se, de facto, questionar a utilidade do mesmo”.

A Assembleia legislativa dos Açores deu parecer favorável, com a abstenção do PSD e demais votos a favor.

A Associação Nacional de Municípios manifestou-se contra a eliminação do dia de reflexão, em especial, ocorrendo em ano de eleições.

Por sua vez, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) optou pela posição “mal não faz que exista” tendo fazer notar haver poucas queixas a esse propósito, mas, já então reconhecia haver um incumprimento crescente, em especial nas redes sociais, e o crescimento de “uma pressão em sentido contrário de opinion makers, jornalistas e outros cidadãos com forte presença mediática”, para o fim do dia de reflexão.

No mesmo contexto, a Ordem dos Advogados concluía: “Fazendo a súmula dos argumentos favoráveis à manutenção do dia de reflexão ou à sua extinção, não se vêem razões de fundo que impeçam esta pretendida alteração, com a excepção da entrada em vigor desta medida em período próximo de acto eleitoral.”

Agora (ontem), um trabalho da CNN Portugal constatou que o IL é o único partido a defender claramente o fim do dia de reflexão, incluindo a questão no seu programa eleitoral. PCP, Livre e PSD querem manter o dia de reflexão e os demais partidos dizem ser algo a ponderar.

A realidade noutros países da Europa

Aqui socorremo-nos do estudo ‘Período de reflexão e dia de eleições – enquadramento nacional e internacional’, Síntese informativa da Assembleia da República, Janeiro de 2022, para criar uma visão geral do que acontece em várias democracias europeias.

Vejamos, em sínteses de um parágrafo, o que é dito.

Alemanha: Na lei alemã não está prevista a existência de qualquer período de reflexão antes das eleições, quer ao nível nacional quer ao nível dos estados

Bélgica: A existência de um período de suspensão da campanha a anteceder o acto eleitoral não está prevista no Code électoral, antes decorre de legislação avulsa adotada a nível federal, das regiões e das comunidades.

Espanha: A campanha eleitoral tem a duração de 15 dias, com início no trigésimo oitavo dia posterior à convocação das eleições e fim às zero horas do dia imediatamente anterior ao da votação.

França: O período de reflexão que antecede a realização de eleições tem a duração, em França, de 24 horas, uma vez que, de acordo com o artigo L49 do mesmo Código, a partir das zero horas da véspera do dia do escrutínio é proibido distribuir ou fazer distribuir boletins de informação, circulares ou outros documentos.

Irlanda: Na Irlanda, não se encontrou nenhuma previsão legal que proibisse a realização de campanha política algum tempo antes das eleições ou no próprio dia das mesmas, à semelhança do que acontece com o dia de reflexão em Portugal.

Itália: No dia anterior e nos dias previstos para as eleições, são proibidos comícios, reuniões de propaganda eleitoral direta ou indireta em locais públicos ou locais abertos ao público, nova afixação de material impresso, jornais de parede ou outros e cartazes de propaganda.

Reino Unido: No Reino Unido, não foi determinado legalmente um moratorium ou período de reflexão na campanha eleitoral em relação ao dia das eleições.

Suécia: Na Suécia não existem restrições específicas relativamente a “campanhas políticas” no dia das eleições. Contudo, tem sido uma prática comum entre os partidos não participar em quaisquer atividades de campanha nesse dia. O dia de eleições é considerado como reservado apenas ao eleitor, para tomar a sua decisão sem qualquer pressão.

Há cada vez maior adesão à ideia de acabar com o período de reflexão antes do dia de eleições.