Guterres alerta para disparidades salariais e "trabalho doméstico invisível" das mulheres
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou hoje para as disparidades salariais entre homens e mulheres e lamentou que o trabalho doméstico ainda seja considerado "invisível" e "sem valor financeiro".
Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, hoje celebrado, Guterres discursou num evento do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), onde reconheceu que o progresso no sentido da igualdade de género tem sido demasiado lento e que as mulheres que estão na linha da frente da mudança podem estar sujeitas a insultos e ataques.
Além de salientar que, em todo o mundo, mulheres e raparigas continuam a enfrentar forte discriminação e graves violações e abusos dos direitos humanos, o líder da ONU frisou que o trabalho de cuidador não remunerado das mulheres é excluído dos cálculos do Produto Interno Bruto (PIB) e considerado sem valor financeiro, mesmo sendo a "base para economias e sociedades estáveis".
E mesmo quando são remuneradas pelo seu trabalho, as mulheres ganham menos do que os homens, observou Guterres.
"A disparidade salarial entre homens e mulheres é de pelo menos 20%, e muitas vezes maior, dependendo do país e do setor de trabalho", declarou.
"Os setores dominados pelas mulheres, como o ensino e a enfermagem, são mal pagos em todos os níveis. Politicamente, as mulheres continuam sub-representadas e mal atendidas. Na Assembleia Geral das Nações Unidas do ano passado, menos de 12% dos oradores eram mulheres. A mudança está muito atrasada", lamentou.
O ex-primeiro-ministro português advogou estar em curso uma reação global contra os direitos das mulheres, que ameaça - e em alguns casos reverte - o progresso tanto nos países em desenvolvimento, como nos desenvolvidos.
O exemplo mais flagrante, apontou Guterres, é o Afeganistão, onde as mulheres e as raparigas foram excluídas de grande parte do sistema educativo, de empregos fora de casa e da maioria dos espaços públicos.
"É intolerável que mais de quatro milhões de raparigas em todo o mundo corram o risco de sofrer mutilação genital feminina todos os anos", defendeu, manifestando-se "indignado" com a iniciativa parlamentar na Gâmbia de legalizar esta "prática horrível" e apelando à rejeição da proposta.
Guterres destacou os testemunhos de violação e tráfico no Sudão, assim como relatos de violência sexual e indícios de tortura sexualizada durante os ataques de 07 de outubro do Hamas em Israel, mas também relatos de abusos de detidas palestinianas.
"Até 2030, mais de 340 milhões de mulheres e raparigas continuarão a viver na pobreza extrema -- cerca de 18 milhões mais do que homens e rapazes. Isso é um insulto às mulheres e meninas. E um travão a todos os nossos esforços para construir um mundo melhor", assumiu.
De acordo com a agência ONU Mulheres, são necessários mais 360 mil milhões de dólares (328,8 mil milhões de euros) por ano para alcançar a igualdade de género.
Entre as recomendações, Guterres defendeu que os Governos promovam políticas de cuidados infantis que permitam a mães e pais assumirem trabalho remunerado fora de casa, assim como a criação de sistemas de proteção social que atribuam um valor monetário ao trabalho de prestação de cuidados.
Exortou também os Estados-Membros a apoiarem as propostas da ONU de métricas que vão além do PIB, que hoje "desconsidera o trabalho doméstico invisível.
O líder da ONU recordou que, para que o progresso seja alcançado, podem ser necessárias quotas e programas específicos para combater preconceitos enraizados e desmantelar os obstáculos à igualdade.
"A igualdade está atrasada. Para a alcançarmos, temos de combinar a retórica com os recursos. Devemos investir nas mulheres e nas meninas, impulsionar o progresso e construir um mundo melhor para todos", concluiu Guterres no Dia Internacional da Mulher.