O activismo que ataca estátuas e obras de arte já chegou à Madeira?
Nos últimos anos, em diferentes partes do Mundo, têm sido registadas acções que questionam a existência de determinados monumentos e obras de arte patentes em locais públicos. Por vezes critica-se o percurso ético-moral das personalidades representadas (por exemplo, estátuas de figuras associadas ao esclavagismo) mas também conceitos e ideias reflectidos em tais trabalhos artísticos. Tal contestação pode atingir formas mais extremas, como actos de vandalismo. Nalguns (poucos) casos as autoridades cederam à pressão e removeram as obras visadas. Esta é apenas uma das manifestações da chamada cultura ‘woke’, depreciativamente mencionado como ‘wokismo’, que surgiu nos EUA e que se espalhou pelo globo, particularmente nas sociedades mais desenvolvidas e com maior liberdade de expressão. Será que na Madeira já há sinais de acção deste movimento?
A palavra ‘woke’ tem a sua origem no verbo ‘wake’, que significa ‘acordar’ ou ‘despertar’. Inicialmente, na gíria norte-americana, ser ou estar ‘woke’ indicava estar alerta para a injustiça racial. O termo ganhou força com o movimento ‘Black Lives Matter’, que surgiu em 2013, na denúncia e protesto em relação a diversos casos de brutalidade policial contra pessoas de raça negra nos EUA. Com o passar dos anos, o termo ‘woke’ ganhou uma variedade de interpretações e passou a significar estar consciente sobre outros temas sociais e políticos (feminismo, movimento LGBTQIA+ e outros temas sociais) e denunciar as discriminações e injustiças da sociedade.
São múltiplas as formas de expressão utilizadas pelos activistas da cultura ‘woke’. Uma delas tem sido a contestação de obras de arte expostas em locais públicos. O movimento ‘Black Lives Matter’ provocou a remoção de dezenas de estátuas que homenageavam figuras ligadas à exploração de escravos, sobretudo nos EUA, mas também no Reino Unido. Mas noutros países o alvo foram as estátuas de colonizadores dos territórios dos antigos impérios espanhol e português, como Cristóvão Colombo, Pizarro, Vasco da Gama e Bartolomeu Dias.
A ‘guerra’ às estátuas também é motivada por questões de igualdade de género. Há monumentos que são criticados por representarem a submissão das mulheres aos homens ou por explorarem o corpo feminino, em particular a sua sexualidade. Há poucos meses, na sequência de uma petição, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, admitiu a remoção da estátua de Camilo Castelo Branco abraçado a uma mulher nua que se encontra na praça Amor de Perdição, por ser considerada “pornograficamente horrenda”.
Na Madeira não se conheciam movimentos deste tipo. Mas o cenário alterou-se na última semana. Na conta do movimento feminista ‘Art Activist Barbie’ na plataforma X (antigo Twitter), têm sido feitas publicações que denunciam a exploração do corpo feminino e a glorificação do homem na estatuária pública da cidade do Funchal. Uma das fotografias mostra a estátua ‘Leda e o Cisne’, que ornamenta o pátio interior da Câmara do Funchal, e que, segundo os autores da publicação, representa a violação de uma mulher.
Noutra publicação é exibida a Capela das Onze Mil Virgens, da Igreja do Colégio. “Sim, as fantasias masculinas patriarcais são realmente bastante aceitáveis nas igrejas”, lê-se no comentário à foto.
A exibição do nu feminino é também denunciada, com imagens da estátua da justiça no tribunal do Funchal e no monumento da Praça da Autonomia.
É também feita uma comparação entre os papéis reservados ao homem e à mulher. Enquanto a estátua de João Gonçalves Zarco representa um homem “inteligente e importante”, a dois passos está o frontispício do Banco de Portugal onde duas mulheres parecem servir para carregar o edificado.
A última publicação foi feita nesta quinta-feira. A crítica é dirigida à estátua do imperador no adro da Igreja do Monte. “Nos seus pedestais elevados, e neste caso ainda mais elevados, no topo da montanha do Monte na Madeira, o ‘divino masculino’ é-nos repetidamente apresentado… Os homens são superiores, corajosos, heróicos, cultos e devotos… Contemple sua majestade”, ironizam os autores.
O projecto ‘Art Activist Barbie’ foi lançado por Sarah Williamson, uma professora da Universidade de Huddersfield (Reino Unido). Nasceu da vontade em envolver os seus alunos em questões de justiça social e ideias feministas, especialmente a forma problemática como as mulheres são retratadas na arte. Já fez denúncias sobre galerias e museus em Roma, Vaticano, Budapeste e em várias cidades do Reino Unido (Londres, Manchester, Glasgow e Leeds) e agora passou pela Madeira. A respectiva conta da rede social X tem mais de 17 mil seguidores.
Numa entrevista ao jornal Negócios, o jornalista João Miguel Tavares referiu que as pessoas que integram estes movimentos “na maior parte das vezes têm uma preocupação genuína de intervir na sociedade", mas que "se aplicam de forma errada naquilo que investem". "O wokismo é uma beatice insuportável. São os novos beatos. São pessoas que estão dentro das suas igrejas e não têm consciência disso. E, portanto, são também muito totalitárias em nome de excelentes intenções e todos os totalitarismos partem de boas intenções", argumentou. Em seu entender, "não existe "grande olho por detrás" destes movimentos, "o que existe é um extremar da sociedade, tanto à esquerda como à direita". "O extremismo acontece nos dois lados e alimenta-se um ao outro", completou.