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Que algoritmos queremos?

Nos últimos anos, o avanço da tecnologia e o uso crescente da inteligência artificial (IA) tem levantado preocupações sobre a proteção dos direitos individuais e o impacto nas sociedades, evidenciando a necessidade de equilibrar os consideráveis benefícios societais e económicos que a IA pode acarretar numa vasta gama de setores e, por outro lado, a necessidade de proteger a vida privada e salvaguardar a segurança, através da sua regulação.

O Parlamento Europeu tem procurado responder a estes desafios através da aprovação de regulamentos abrangentes e inéditos, identificando-se dois momentos recentes:

1. Os Regulamentos dos Mercados (RMD) e dos Serviços Digitais (RSD), que almejam tornar o ambiente digital mais seguro, justo e transparente, responsabilizando os grandes players que operam no espaço comunitário, como a Meta, Apple, Google, Amazon, TikTok, garantindo condições equitativas para todas as empresas digitais, independentemente do seu tamanho, e regras claras sobre “o que fazer” e “o que não fazer”, que visam impedir a imposição de condições injustas às empresas e aos consumidores e proteger o utilizador de conteúdos, bens ou serviços abusivos ou ilegais.

2. O Regulamento para a Inteligência Artificial (RIA), que visa garantir que os sistemas e fornecedores de IA são seguros e respeitam os direitos e valores fundamentais da UE, e promover o desenvolvimento e a modernização da tecnologia de IA. Incide sobre obrigações associadas ao grau de risco associado à utilização dos sistemas, que variam entre risco inaceitável (proibido), como a manipulação cognitivo-comportamental, policiamento preditivo, ou sistemas de identificação biométrica à distância, risco elevado (ex: em setores de transportes, energia e saúde), riscos limitados (ex: obrigando à divulgação que textos e imagens foram gerados por IA) e risco mínimo ou nulo, como o caso dos videojogos que usam IA.

Estas duas iniciativas são um ponto de partida num difícil equilíbrio dialético entre tecnologias aceleradamente dinâmicas na sua evolução e a natureza tendencialmente estática das normas jurídicas, antecipando-se imensos desafios relativamente ao funcionamento de empresas e plataformas que controlam ecossistemas digitais inteiros, as mais lucrativas de sempre da história da Humanidade, através de modelos de negócio centrados na maximização do engagement e “manipulação” do consumidor (enquanto escrevo, a Comissão Europeia abriu uma investigação por violações da RMD contra a Alphabet, Meta e Apple, e outras estão na calha).

Outro desafio crucial é o navegarmos num mundo multipolar a várias velocidades. A ocidental, com as suas preocupações, limites éticos e riscos inaceitáveis no uso de IA, como a recolha de dados para pontuação social do cidadão, mas que não é um limite em alguns distritos da China, onde o reconhecimento facial em vigilância pública atingiu uma penetração elevada em algumas das suas cidades. Na velha aldeia global e interdependente, a UE e os EUA (onde foi criada a Carta dos Direitos da IA e a Califórnia debate uma Lei sobre IA) procuram posicionar-se definindo um standard para o início de uma discussão mais aprofundada com a China e outros atores. Mas poderão as diferenças ou convergências no entendimento do papel do Estado, cidadãos e sociedade, moldar decisivamente o impacto e a trajetória global da IA, a omnisciência e omnipresença dos algoritmos e o futuro da humanidade? E em que sentido? Tempus narrabo.