Números
William Thomson, Lord Kelvin, físico e matemático inglês (1824-1907), disse um dia algo como “se conseguires registar uma coisa em números e expressá-lo numa fórmula matemática, saberás do que estás a falar”.
Não foi o primeiro nem o último a tentar quantificar tudo, mas a tendência actual vai nesse sentido. Se na vida corrente isto parece inócuo, nas relações humanas as coisas complicam-se. Como amar a 75%, ou odiar a 17%?
Nas guerras atuais, parece que tudo se reduz a números: mísseis e granadas disparadas, toneladas de abastecimentos, quilómetros ocupados, baixas em mortos e feridos. Só que, nos dois últimos casos, se trata de pessoas – que não são números.
Juntando isto à guerra dos comunicados, temos um dos aspectos mais perversos dos conflitos. Anunciam-se mortos como pontos num campeonato de futebol, confrontando os “nossos” com os “deles”, a ver quem ganha. Ou seja, a banalização da tragédia.
Só que, neste desporto, todos perdem.
Com a agravante de os números serem escamoteados ou inflacionados, conforme convém.
Um bom exemplo é o bombardeamento da cidade de Dresden, na Alemanha, em 13 de Fevereiro de 1945. Os Aliados destruíram boa parte da cidade e, segundo dados atuais fiáveis, mataram entre 25 e 30.000 civis. Ainda se discute se era um alvo militar, mas isso é uma questão académica, no conjunto da II Guerra Mundial.
O Ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, aproveitou para inflacionar os números para mais de 200.000. Parece ser um absurdo aumentar as nossas baixas; mas a mensagem era demonstrar a barbárie dos Aliados, e mobilizar o Povo Alemão para a resistência.
Nas atuais guerras de Gaza e da Ucrânia, a leitura dos comunicados é deveras interessante.
Há dias, o Comando israelita anunciava ter abatido, desde o início da guerra, cerca de 300 combatentes do Hamas. Tendo todo o interesse em apresentar bons resultados, este número só pode pecar por excesso. Quanto às baixas israelitas, andariam pelas 250. Por outro lado, as autoridades palestinianas anunciavam, na mesma data, cerca de 32.000 mortos civis (sem referência a combatentes).
Assim sendo, teríamos um rácio de 1:1,2 em combatentes mortos a favor de Israel; mas mais de 100:1 na proporção de mortos civis sobre os combatentes do Hamas. Os combatentes seriam portanto menos de 1% do total dos mortos palestinianos...
Se considerarmos a II Guerra Mundial, calculando por baixo, houve 21 milhões de mortos militares e 58 milhões de mortos civis, em relação directa com a guerra e por crimes contra a Humanidade. Ou seja, do total dos mortos, cerca de 27% eram militares e 73% civis.
Tendo em conta que, depois da já referida e mortífera II Guerra Mundial, foi criada a ONU e que foi também aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de Dezembro de 1948, não restam dúvidas que algo está a correr mal à face da Terra.