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O “poder” do ruído

Se há pouca gente que discordava da afirmação de que conseguir viver alguns momentos do nosso dia-a-dia em silêncio tem vantagens significativas para o nosso bem-estar, deveras ainda mais óbvia é a afirmação de que os ruídos e barulhos à nossa volta estão a prejudicar-nos a vários níveis e de várias maneiras.

Estudos científicos demonstram que os ruídos causam uma redução da função cognitiva e stress oxidativo no cérebro. A poluição sonora tornou-se num fator de risco para a depressão e transtornos neurodegenerativos. O excesso de ruídos pode acontecer tanto em casa como na escola, no trabalho e noutros ambientes e, para além da perturbação da atividade corrente e do nível de desempenho, pode implicar problemas para a saúde geral e sobretudo para o desenvolvimento das crianças.

Na idade escolar, o impacto negativo nota-se sobretudo na matemática, leitura, linguagem e fala. No entanto, quanto mais complexo é o processamento exigido para resolver uma tarefa, mais impacto negativo o ruído tem, e por isso parece provável que os adolescentes são mais vulneráveis nesse contexto.

Efetivamente, as crianças que vivem em ambientes com mais barulho demonstram efeitos negativos, incluindo reduzido crescimento cognitivo, menos competências linguísticas, ansiedade aumentada e resiliência enfraquecida.

Elas têm menos capacidade de separar o importante (um professor a falar, uma pessoa a dirigir-se a eles, o som que produzem – eles próprios ou os seus parceiros – enquanto tocam um instrumento ou cantam, o som dum carro a se aproximar) do fundo, formado por toda a espécie de ruídos à sua volta. Por isso, o assunto de acústica da sala de aula acolheu um grande interesse durante as últimas décadas.

Com a subida dos níveis de ruído aumenta o poder da banda alfa das ondas cerebrais (que, de modo simplificado, indica a atividade de processamento de informações mas também tem a função de inibição) enquanto o poder da banda beta (concentração ativa e pensamento ativo ou ansioso) diminui.

A poluição sonora pode desencadear os mecanismos da resposta ao stress e assim resultar em irritação, pressão arterial elevada, funcionamento cognitivo prejudicado, perturbações de sono e, quando o stress se torna crónico, pode também baixar a nossa imunidade geral. Cerca de 22 milhões de trabalhadores nos EUA sofrem da exposição aos ruídos problemáticos e cerca de 100 milhões estão diariamente expostos aos ruídos ambientais, tais como o trânsito e dispositivos pessoais de escuta.

O ruído pode afetar o desempenho, prejudicando o processamento de informações ou causando mudanças em respostas estratégicas. Aumenta a nossa atenção, porque estamos a fazer um esforço consciente de separar o importante do fundo mas pode reduzir a qualidade do desempenho e da memória. Os ruídos ambientais afetam o nosso funcionamento diário e os efeitos cognitivos, motivacionais e emocionais estão interligados. O insucesso do processo da superação dos efeitos nocivos do ruído pode-nos cansar, habituar-nos ao desamparo aprendido e, consequentemente, alterar a nossa motivação para persistir numa tarefa. Quando a nossa experiência do passado nos diz que o fracasso perante uma tarefa cognitiva é inevitável, a motivação para persistir é reduzida.

No entanto, para além dos ruídos físicos, hoje em dia todos estamos a sofrer os efeitos da poluição, que não é apenas do âmbito auditivo mas que forma sim um ruído branco intenso que, muitas vezes, nos sobrecarrega, incapacita, paralisa e invade o nosso espaço interno. Frequentemente até o convidamos, sem nos apercebermos das repercussões nefastas, e mesmo quando ele se insinua contra a nossa vontade não é fácil de combater, nos dias que hoje vivemos. Estou a falar do excesso da informação que estamos a receber, por todas as vias possíveis de comunicação social (mesmo quando é antissocial), os média, as redes sociais… Nessa hiperinflação da informação (“Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, para citar o título do filme multiplamente galardoado), ficam atingidos tanto os adultos como as crianças e, infelizmente, muitos metaforicamente ficam pelo caminho, não possuindo – ou não tendo desenvolvido – mecanismos de resistência e a noção de autossuficiência e independência. Como qualquer dependência, é fácil de abraçar e nada fácil de largar.

A nossa vida será mais bem vivida se conseguirmos encontrar maneiras de reduzir ou eliminar estes ruídos, sejam eles de origem física ou mental, e será ainda mais feliz se conseguirmos proporcionar uma vida com menos ruído, de todos os tipos, aos nossos filhos.