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Fact Check Madeira

Será recorrente defender que a Madeira pode ser “uma Singapura” nesta zona do Mundo?

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Tiago Venâncio

A edição impressa do DIÁRIO de hoje destaca a opinião de Carlos Baptista Lobo, presidente do Conselho Geral da recém-criada Associação Portuguesa de Contribuintes, que entende poder a Madeira se transformar numa Singapura da Europa. “A Região Autónoma da Madeira tem um potencial de atracção fantástico. E pode ser um caso de estudo para o desenvolvimento sustentado a nível mundial. Por exemplo, o regime dos Residentes Não Habituais – modelo anterior – poderia fazer toda uma revolução na captura e manutenção do talento na Madeira e transformá-la numa ‘Singapura’ na Europa”.

Nas redes sociais e, nomeadamente, no facebook do DIÁRIO, várias foram as reacções que a notícia suscitou, umas a concordarem com a sugestão, mas a maior parte foi em sentido crítico. Entre elas, uma apenas questionava: “Outra vez?”

A questão sugere que o tema não é novo e que até já cansa alguns leitores. Mas será que, de facto, o tema não é novo?

A verificação da veracidade ou falsidade da afirmação, na sua parte implícita, foi feita, essencialmente, através do levantamento de notícias publicadas na imprensa regional, em particular no DIÁRIO e no Jornal da Madeira, sem negligenciar a memória dos jornalistas com mais anos de profissão.

Na entrevista, hoje publicada, é referida a expressão ‘Singapura da Europa, mas a memória jornalística aponta para uma similar ‘Singapura do Atlântico’. Por isso e para o efeito deste ‘fact check’ vamos considerar as duas como semelhantes.

No levantamento, que realizámos, encontrámos dezenas de notícias e de textos de opinião em que era referida a Madeira como ‘Singapura do Atlântico’. Aqui também, muitas a elogiar e outras tantas a criticar.

A primeira vez que encontrámos essa expressão foi na edição de 14 de Junho de 1996, num texto de opinião de António Henrique Sampaio. Depois de referir várias afirmações do poder regional, era dito: “Quem se limitasse a ouvir o discurso oficial do poder seria encaminhado a concluir que a RAM seria uma espécie de Singapura do Atlântico, uma região onde o desenvolvimento seria qualquer coisa de espantoso ou de imparável.”

Sarcástico ou não, o texto de Henrique Sampaio bem pode ter inspirado Alberto João Jardim que, em Maio de 2004, no encerramento do X Congresso Regional do PSD-M colocou um desafio para os quatro anos seguintes: “Transformar a Madeira na Singapura do Atlântico.”

Daí em diante, a expressão entrou no discurso político. No PSD e no Governo de Alberto João Jardim para defender a ideia, ainda que nunca completamente esclarecida no que, na prática representaria, nomeadamente em medidas concretas para a alcançar. Na oposição para a detrair e satirizar.

Jardim continuou a insistir na ideia e, em Setembro de 2005, dizia mesmo que a “Madeira poderia ser um dos polos mais ricos do Mundo”.

Em 2007, Maurício Rodrigues, político das Canárias, concordou com a ideia, mas disse que deveria de ser com as Canárias e acrescentou uma variante: Singapura ou Miami.

No mesmo ano, Jardim demitiu-se do Governo Regional e foi renomeado presidente, na sequência da vitória eleitoral obtida. No discurso da tomada de posse voltou a insistir na ideia.

Em 2008, garantindo não ser separatista, Jardim voltava à carga coma ideia de transformar a Região na Singapura da Europa e dava o exemplo do Reino Unido, com Guernsey, Jersey e ilha de White.

Em 2011, com a Região na bancarrota e com Jardim, no final do ano, a ter de pedir um resgate financeiro à República, o tema voltou a ganhar força.

José Manuel Rodrigues, então líder do CDS, afirmava: “. O Presidente do Governo prometeu-nos, há quatro anos, fazer da Madeira a Singapura do Atlântico. Ora estamos na ruína do Atlântico, tal a irresponsabilidade na gestão dos dinheiros públicos.” Noutra ocasião, reformulou: “Prometia o PSD fazer da Madeira a Singapura do Atlântico. Quatro anos depois transformou-se na Grécia do Atlântico.”

O tema, apesar de sempre referido, caiu em desuso, até reganhar força em 2019. Jardim volta à carga, num texto intitulado ‘Os novos vilões’: “Eu não deliro quando digo que a Madeira pode ser uma Singapura do Atlântico.”

Em 2021, Francisco Costa, que durante muitos anos foi o presidente da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, concessionária da Zona Franca da Madeira, esfriava os ânimos. “Ser a Singapura do Atlântico implicaria ter condições de autonomia completa, em determinadas áreas, que neste momento não estão ao nosso alcance por força de condicionamentos externos diversos, designadamente por força do nosso posicionamento que advêm do seio da União Europeia. Compreendo o simbolismo da declaração mas os objectivos que são traçados devem ser realistas em função da realidade concreta em que vivemos.”

Em 2022, foi a vez de Pedro Ramos, secretário regional da Saúde, aderir à designação/objectivo. “Cada vez estou mais convencido que andamos naquela fase de desenvolvimento da Madeira que a define como a ‘singapurização do Atlântico’”. As palavras foram ditas na inauguração de uma sala equipada com sinal 5G do Hospital Dr. Nélio Mendonça.

Já neste ano e neste mês, Março de 2024, Miguel de Sousa associou Miguel Albuquerque ao tema. Ao manifestar o seu apoio ao presidente recandidato ao PSD, dizia ser “um líder evoluído e preparado para aproximar a Madeira da Singapura do Atlântico, idealizada por Alberto João Jardim”.

Como se vê, pelo historial aqui muito sintetizado, tem razão o leitor ao sugerir que se trata de um tema que é recorrente na Madeira, nomeadamente, ainda que não em exclusivo, no mundo político.

Complementarmente, dizemos-lhe o que é Singapura.

O Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal diz tratar-se de uma República parlamentar, num território com 719,1 Km quadrados. Tem 5,6 milhões de habitantes e várias línguas oficiais: Inglês, Malaio, Mandarim, Tâmil. Usa do dólar de Singapura e tem um PIB de cerca de 452 mil milhões de dólares americanos e um PIB ‘per capita’ de praticamente 83 mil dólares americanos.

Portugal estabeleceu relações diplomáticas com Singapura a 7 de Janeiro de 1981.

“Outra vez (a falar da Madeira como Singapura)?” – Leitor do DIÁRIO - Facekook