Tempo de Paixão, sincretismo religioso e confusão
Nos tempos de há cerca de 1300 anos antes de Cristo, o Deus de Abraão e de Moisés, na Bíblia, e, talvez, já, o deus sol, no Egito, ocasionou grande mudança religiosa. Em vez dos muitos deuses de cada tribo e de cada etnia revelou-se o Deus único, e muitas pessoas descobriram ser de igual categoria e dignidade. Não eram mais importantes e livres por serem da relação destes deuses; nem escravos, servos e propriedade das elites desses deuses. A crença num Deus único trouxe grande mudança que não foi fácil de aceitar. Os chefes adoradores dos deuses e ídolos tribais não aceitavam tal mudança para não perderem vantagens como, ainda, acontece hoje nalguns países.
No Cristianismo, essa mudança foi-se afirmando sempre mais, embora lentamente. Era ensinada aos que recebiam o querigma ou anúncio cristão. Uns aceitavam e outros não. Os que não aceitavam tentavam recuperar privilégios e interesses; e desistiam de ser cristãos. A Bíblia é uma narrativa secular dessas regressões e contra regressões, dos tempos do deserto e de Salomão, etc. A história do Cristianismo, desde o início, está semeada de relações tensas entre cristãos e crentes nos deuses dos Gregos e dos Romanos. Deu-se a mistura de crenças e rituais e surgiram sincretismos de ideologias, adaptações e absorções. A perseguição e o martírio dos cristãos exigiam-lhes a renúncia a doutrinas de contaminação pagã, para se manterem na Igreja. Nos tempos de missionação da Igreja essas tensões e renúncia continuaram até hoje.
Estamos a celebrar a Paixão de Cristo e a ler narrativas evangélicas sobre Cristo a caminho da Cruz; e a sua palavra: “Se o grão de trigo não morrer…» a lembrar a sua morte. O Evangelho mostra indecisos, opositores, inimigos e crentes seguidores; e desacordo acerca de quem era Jesus: profeta, Messias, viria da Galileia, ou da linhagem de David e de Belém? O desacordo era grande entre a multidão (a maioria?). Alguns opositores (minorias) queriam prendê-lo, à ordem dos fariseus, mas tinham medo. Os guardas ficaram impressionados com a sua palavra e surpreenderam os fariseus e seus chefes que queriam Jesus morto. Quem o seguia seria maldito e ignorante da Lei. Nicodemos, um fariseu indeciso, falou com Ele de noite, como minoria que o defendia e não aceitava a sua condenação sem ser ouvido, ao contrário dos opositores extremistas. À volta de Jesus havia simpatizantes e crentes, indecisos, indiferentes, opositores, inimigos e perseguidores (cf. Jo. 7,40-53). Mas as atitudes foram-se ampliando à medida que o Cristianismo ia alastrando e punha problemas às culturas religiosas, grega e romana, e a outras culturas, à volta, interessadas em ídolos e na desigualdade. Divergências nunca mais iam parar. O Cristianismo, ao revelar um único Deus, dignificava a todos. Isso constituía uma pedra no sapato dos povos doutras culturas, religiões e regiões. Eram exigências para os que aceitam Jesus Cristo e seguem o seu exemplo até ao martírio; e deixavam na indiferença os devotos de sincretismos religiosos com mistura de crenças pagãs e ideologias.
Os secularistas e ateus prometiam igualdade social, como na França de 1789, mas logo alguns caiam nos populismos pagãos da deusa razão, arrogando-se mais dignidade, serem os melhores, e até de perseguir aos que prestavam culto a um só Deus. O “Terror” e a guilhotina provocaram horror. O tempo atual, em chave de populismos religioso-politeístas misturados a sincretismos religiosos cristãos, dá um quadro realista: uns agarram-se ao secularismo e laicismo sem religião e pretendem serem elites democráticas e aristocráticas de minorias melhores e puras. Rejeitam os eleitores plebeus: são democratas desprezíveis. As democracias de aristocratas são minorias oligárquicas para interesse de alguns. Cozinham a governação entre si, por vezes, governos dependentes de duas ou três pessoas, à maneira das gerigonças formadas com astúcia e mentira. E contudo, continuam a proclamar a sua democracia, governo do povo e de maioria. Respondem-lhe os populismos de “cristianismos” misturados de sincretismo religiosos afro-asiáticos que eles é que são os genuínos políticos e religiosos. Mas as misturas vão muito além disso. Para se oporem a essas artimanhas, agarram-se outros a movimentos de seitas religiosas populares, algumas de nomes cristãos com seus credos privativos que lhes abrem vantagens políticas mundanas e benesses das idolatrias do passado. Tornam-se os privilegiados doutros deuses. Os resultados estão à vista em vários países. Este clima leva alguns grupos políticos, cristãos e católicos, a viver à base de nebulosas confusas de política, religião e vida quase cristã. Democratas, cristãos, católicos? Nem eles saberão. Nem saberão o abc da democracia, do bem comum; e outros nem distingam o que é ser cristão ou católico. Os primeiros cristãos, preparados para o martírio sabiam o catecismo - Didaqué do primeiro século. E muitos, hoje? A confusão religiosa sincrética aumentou desde há 60 anos com pais e filhos já confusos. Será que os cristãos dos países secularistas/ateus do Ocidente reduziam a confusão religiosa se enfrentassem perseguições religiosas e o martírio? O tempo da Paixão e morte de Cristo faz pensar e poderá ajudar.
Aires Gameiro