Com conservantes e corantes
O mais extraordinário foi descobrir que a comida podia ser um pacote com farelo ou pó ao qual bastava juntar leite ou, melhor ainda, água
A primeira vez que se abriu uma caixa de Nestum na casa do Laranjal foi cá um acontecimento e deu que falar à minha mãe e às minhas tias durante dias a ver se se chegava a consenso sobre o melhor sabor. O tempo deu a vitória ao Nestum com Mel cuja embalagem de cartão serviu para treinar a leitura.
O mais extraordinário foi descobrir que a comida podia ser um pacote com farelo ou pó ao qual bastava juntar leite ou, melhor ainda, água. A magia de ter sumo, gelatina, pudim e papas de pequeno almoço sem trabalho deixou-nos tão maravilhados que o que vinha da fazenda perdeu o interesse.
Os cachos de banana dependurados na loja, as semilhas guardadas no escuro para durar o ano inteiro, os ovos frescos e as galinhas e o que chegava a casa conforme era tempo do feijão, das couves, dos maracujás ou das ameixas. Tudo nos parecia sensaborão, demasiado doce ou ácido, feio e torto e até o atum de lata sabia melhor do que o que a minha mãe cozia fresco, acabado de comprar na praça.
Nós sabíamos como aquilo era feito, como crescia a fruta e como se formava uma galinha até começar a por ovos ou acabar dentro da panela para a canja e o guisado do almoço de domingo, mas continuava a ser magia ver o pacote de gelatina derreter com água quente e solidificar no frio do frigorífico. E foi libertador, pelo menos para mim, a minha mãe ter descoberto do supermercado o leite ultrapasteurizado.
Eu, como todas as outras crianças, preferia tudo o que vinha com corantes, conservantes e demais venenos com que a indústria alimentar nos seduzia. Sumos e gelados em cores vivas e apelativas e, sim, leite tratado e desnatado, sem o gosto do leite que vinha das vacas do palheiro.
Um leite que ficava a ferver e sobre o qual se formava uma espessa camada de nata. As minhas tias faziam depois uma manteiga muito amarela temperada com sal grosso, mas, claro, sabia melhor a que se comprava porque era assim mesmo no Laranjal no fim dos anos 70.
Esse tempo estranho e cheio de uma esperança louca no futuro, essa época gloriosa em que comprar uma caixa de Nestum com Mel nos transportava para os países ricos onde viviam os turistas e os emigrantes como a Dona Celeste, o marido e os filhos que, da América, mandava postais e falava de iogurtes muito mais doces e saborosos que os nossos comprados no supermercado Própovo.